Tenho tanta saudade de mim...

sábado, dezembro 20, 2014

Cabernet sauvignon


As pernas desenham sinuosas
balé perfeito pra mim,
me enroscam em seu tanino, suave,
ruborizam minha tez enfim...
Dilatam as papilas sedentas,
sugo sua seiva carmim
e nublam as pupilas distantes
afogadas de seu tinto rubi.

Litania

A vida é cheia
das tentativas de acertos,
porém, entre os erros
o que se vale
é tentar.

domingo, dezembro 14, 2014

Coisa da gente

É como sorriso amarelo, entreaberto,
felicidade maltratada de tempo,
cheiro bom de infância-menino,
de talco no colo de minha avó,
do quase esquecimento.
Do quase dormir,
um instante
que se roubam as rédeas da vida
da gente.

É uma tocaia
quando o sinto,
quando o espero.
É uma eternidade, confesso.
São mensagens imediatas
na velocidade dos meios modernos
e a mesma sensação de outrora
dos bilhetes vindos a carteiro.

É um cerzir de retalhos
que desenho na mente,
montando com cuidado
a figura que me é aparente.
E me questiono neste insano ato
de me entregar combalido
a este vulcão que explodira rápido:
o que ganho ou perco?

Deixo-o quieto então,
abrando-o com ventos de fora,
mas fica a parte um quinhão
desta coisa que me alucina a mente.

sábado, dezembro 13, 2014

sexta-feira, dezembro 12, 2014

Deus

Como sentir saudade
do que ainda não existiu?
Será excesso de vida presente
ou o hiato entre o passado e o futuro
que se uniu?

Será ócio da mente iludida,
translúcida de receio e palor
ou será a pele úmida e fria
em iminência de síncope de amor?

Como amar o que não se conhece,
o que ainda sequer se viu?
Eis pois como adora uma mãe
o seu ventre que não pariu.

Será assim o amor de Deus?
Maior, urgente e capaz
de nos invadir sem piedade
queimando o que é impuro, toda a maldade
e me levar em Teus braços menino,
me enovelando num gesto de paz.

terça-feira, dezembro 02, 2014

Boca

Entre todas
as bocas que uno,
boca de lobo
da rede que afundo,
boca de esgoto,
boca de fumo,
boca da noite
escurece profundo,
nem na boca de Krishna,
que se esconde o mundo,
acho o que procuro.

É mesmo de tua boca
que desejo o sumo.

sexta-feira, novembro 07, 2014

As estações

Não há amor maior
ou pavor pior
no longo hiato
que se me abriu.
As estações se cumprem
no seu devido tempo:
em julho fui frio,
outono, a copa de meu ser caiu
e nestes verões, sedento,
aguardo florescer abril.

segunda-feira, novembro 03, 2014

Único beijo

Eles se insinuam
só para mim e
habitam o exato
e estratégico lugar.

Em sua perfeição
de brancura, enfileirados
em ordem coesa e justa,
me sorriem.

Embebidos nas gotas
de tua saliva, tua boca,
desfiladeiro perigoso de desejo,
percorro com denodo,
alcanço enfim a língua
e me uno a ti
num molhado, demorado e único beijo.

quarta-feira, outubro 29, 2014

O túmulo de meus avós

Sob sua sombra
jazem nossos mortos:
os seus, murchas pétalas
os meus, humanos corpos.
No jardim de sono eterno,
em sua existência etérea,
desfolha mansa e com cuidado
preservando casulos de nérias,
afinal há vida em tudo!
mesmo esta lápide fria, cinzenta
recebe o abraço sinuoso,
repelido de esquecimento,
da árvore baixa, anciã
com tronco retorcido e cruento,
guardiã das memórias de tantos
dispersas nas flores
levadas no vento.

segunda-feira, outubro 13, 2014

A gota

Existe
pela tensão de superfície
de átomos milhares,
os hidrogênios aos pares
em ligações covalentes
com o ar que respiro.

Repousa num vinco
de folha verde escuro
de meus quintais,
precipita do céu e da face,
insinua-se entre tetos antigos
de casas sob temporais
e do orvalho da manhã também nasce.

No meio de sua imensidão quântica
bailam elétrons e íons:
estas partículas diáfanas
que emprestam seu brilho,
refletindo em si
a inteira paisagem.


quarta-feira, outubro 01, 2014

Às vésperas de teus lábios


Não há Deus nele.
O vazio não o representa.
Está entre o surto e o assombro,
a convulsão de vida real,
um espaço virtual,
instante sem quaisquer alucinações
do futuro e do presente.
É saltar no abismo e não ter
certeza da outra margem.
Fechar os olhos e simplesmente esquecer
de quem se é, das reentrâncias da alma,
da falida estrutura humana.
Dura segundos neste vil cotidiano
e a eternidade galáctica no gesto
de te beijar
a boca.

segunda-feira, setembro 29, 2014

Segundo olhar

A grama do jardim
do inimigo
é tão úmida e escorregadia
quanto a minha.
As formigas ardem na pele
de quem é picado
com prurido símile de outrora.
O que muda senão a forma
oblíqua e solitária
de enxergar o abismo
que tu te afundas?
O que esperar além das desgraças anunciadas
perversas e sádicas do porvir?
Esperança?
Nome infame:
fidelidade aos incontroláveis
desdobramentos da ilusão
é como se entende.
Sê só e em maior parte triste
que o riso ao nascer
ilumina mais e aquece pujante
a face.

Encruzilhada

Na meia distância
da estrada que percorro
aos tropeços
entre a irracionalidade
e o patente controle
dos desejos
é onde você
eu encontro.

domingo, setembro 28, 2014

Sentido da vida

Ir ou voltar
Sorver esta (in)decisão
e seguir
não girar o pescoço
Ser leste
bússola adiante
Ensurdecer grito de socorro
Sufocar palavras não ditas
Empalidecer pupilas
Revolver ruínas
genuínas peças perdidas
O cálice maldito
da tua boca
adicta
à minha
Qual o propósito,
minha vida?

sábado, setembro 27, 2014

S-o-b-r-i-a-m-e-n-t-e

Ela nunca ocorreu.
De vaginas úmidas em labor
sua existência declinou.
É vaga como se sente
e não se toca
e nem se vê.
Mas pesa, pesa muito,
mais que toneladas que o homem
ousasse mensurar.
Segue sempre abstrata.
Imagina-se o que queira dela.
Nela cabe o universo,
cabem as nuvens,
cabe eu inteiro e nu
e cabemos nós em outras eras.
Ela me leva para onde não quero
e na sua mais profunda perversão
é exatamente onde queria estar.
Não se afere o tempo em sua casa
que sequer tem cantos:
as sujeiras ficam expostas na sala
às vistas.
Ela é deus.
É o lamaçal dos homens.
A carnificina das guerras.
São cabeças decapitadas.
São noites cruéis.
Nela a infância brinca e não tem fim.
O ser humano é imortal sob sua pele.
As palavras são incompletas quando a ela se proclama
amor eterno.
Os seios de minha mãe estão lá também
saciando meus medos e minha saudade.
É uma grande vaca de tetas macias,
uma cama imensa onde encontro conforto,
é o vértice do mundo,
alfa e ômega
a Bíblia inteira.
Ela sou eu de pés feridos andando no asfalto
quente do meio dia
clamando por misericórdia.
Ela é a cegueira
e a luz.

quinta-feira, setembro 25, 2014

Frente e verso

Dá-me tua língua.
O vértice de tuas pernas.
Deixa que enfie tudo
em tuas entranhas,
geme alto,
pede,
apanha!

Dá-me de frente
e teu reverso
quero meu sexo inteiro
no teu corpo
imerso.

Nas profundezas de tuas águas
explorar a escuridão
de lá nascer o prazer
com malícia e precisão.

Sê liberto:
move-te em minha cadência,
treme extático,
tem malemolência.
Revira os olhos.
Saliva espessa.
Engole tudo, logo!
Que meu gozo
tem pressa.

quarta-feira, setembro 24, 2014

Bem-te-vi

Não é desassossego
nem assombro.
Faço poesia
porque respiro.

Nem sol, nem pleno.
Sou deserto:
na aridez
encontro meus oásis.

Um poeta insurgido
da ausência de ti.
Inspiração vem de onde,
bem-te-vi?
Meu bem:
Eu Vi.

Poesia

Não surge ao acaso.
Nasce vaidosa pelo artista.
Meticulosamente pensada.
Têm sons inclusive suas vírgulas.

É refúgio de alguns em dias cinza,
desejo de mundo que alucina.
Bebo seus versos como louco
não pela sede que fere as entranhas,
nela alivio meus temores
e corro livre pelas planícies,
meus abismos, suas montanhas.

Serpentina enleada em retalhos
de tecidos vivos, peles e feridas,
jorra sangue nos olhos dos inglórios
homens de vidas miseráveis e aturdidas.

É mulher ou mesmo ninfa,
virgem pura e puta. Assinta!
Na amargura de minhas noites infindas,
suga meus lábios com furor
rouba vampira meu calor
e debruça meu corpo sem vida
que só encontra o sopro divino
na alvorada,
com pássaros
e suas cantigas.

domingo, setembro 21, 2014

Pensando em você nesta madrugada

Os dias passam
E não me curvo à ordem do vento
Sigo destino infame de viver
O desatino diuturno do tempo.

Sou louco desvairado maior
Faísca de fogo ardente
Sou tu, um pedaço pior
do amor que tinhas da gente.

Sei que hoje esta dor me domina
E mais tarde o sofrer que fascina
Correm soltos num desejo de então
Me abraçar e te envolver sem razão.

sexta-feira, setembro 19, 2014

Esquecer

Não existe, pois, esquecimento
Esquecer é irmão do lembrar
Esquecer é trajeto tormento
E no fim o vazio alcançar.

Não existe tal sentimento
E será sentimento olvidar?
Arde em mim só o pensamento
Em tentar este ato findar.

Viva, meu amigo, a lembrança!
Desta há como guardar
Nela ainda habita esperança
Abraçá-la é um gesto de amar.

terça-feira, setembro 16, 2014

Receituário de Carol

Aprender a cuidar
de si é:
saber ficar sozinho
e assim estar bem acompanhado;
nutrir-se de bons alimentos
e de sol, de natureza, de exercícios físicos,
de cultura, de estudo...
Trabalhar não somente a labuta diária
mas também a alma, a persistência e a constância.
Cultivar as boas amizades
e antes de tudo sermos amigos
de nós mesmos.

Carolina Luna

Rio de Janeiro-RJ, 16 de setembro de 2014.

segunda-feira, setembro 15, 2014

Tua boca

Ali habita o mistério.
A brancura insinua-se
entreaberta com o vermelho
em torno
dela.

Nascem rios
pelos seus cantos
agudos.

Suculenta, macia,
açúcares de frutos selvagens
meu desejo te saliva
ó, língua tenra.
Vem!
Massageia o profundo de mim.

domingo, setembro 14, 2014

Cantiga de sapos

A quem é frio, anuro.

Será que enganas meu coração?
Maiores que as cicatrizes que te pertencem
São aquelas que me desfiguram a alma
Antiquíssimas, belas e cruentas,
Exsudam com as lágrimas que evanescem.

O corpo – torpe afã
De morte, sangue, gozo animal
Estremece extático no teu lamaçal:
Cama tua – imundícies e o mal.
Na calada da noite tu foges
Teu silêncio covarde, marginal
Só revela que és um açoite
Escarneces não defronte
Já que és pútrido, venal.

De ti sem receios corro
O regozijo que foi pouco afinal
Não me preenches mais com teu jorro
Líquido espesso
Cuspe, asco, gemidos
Teu espasmo terminal.

E mais uma vez encerro
O desencontro sinérgico de meus dias
Será que amanheço baço
Ou me enterro num buraco de jias?
Coaxar cantigas de outrora
No sal contra pele queimar
Lembrar não a ira que aflora
E só desta dor orgânica me fartar.

sexta-feira, setembro 12, 2014

Adormecer

Ainda bem que existe amanhã,
Hoje foi fatal...
O ranço ainda levo afinal
Na saliva grossa
Que engasgo
Teu nome
Teu sal.

Ainda bem que existe depois
O gozo foi escasso
Desejo disperso
Envolto em teus braços
Que nunca foram meus
Só maus

Ainda bem que há uma noite no meio
Travá-la: embate cruel.
Dominá-la? Só Valium, Seroquel...
Ou em boca flácida
comungar fluidos infectos
para morrer num enlace
carregado por Morpheus.

quinta-feira, setembro 11, 2014

Eu vi

Conjugar o verbo ver
na primeira pessoa do singular
no pretérito perfeito
do indicativo
é enxergar mais além
de meus defeitos.

É unir,
gramaticalmente,
o que o mundo apartou
da gente.

Engraxates da João Lisboa

Os olhos que guardam um século
Debruçados em beirais do tempo
Testemunham as paisagens fugazes
Mutáveis como pensamento.
Num esforço sobre-humano
Estas mesmas retinas ainda zelam
O que resta de passado
Nesta praça ao meio dia
Na esquina que ora espia
Presente e futuro passando.


segunda-feira, setembro 01, 2014

40°C noturnos

É falta de sono
Ou dose insuficiente
De rivotril?

É falta de sono
Ou dor recorrente
Desde abril?

É falta de sono
Ou excesso de alma
Que em mim floriu?

É a falta de sono
Que de mim compele
Teu corpo ardil?

Ou a falta de sono
É a que enfim desfere
Golpe final e vil
De seguir noites insones
E viver amores infames
Que ainda creio e cri?

Vem, falta de sono
Alucina este olhar
E enruga minha fronte
Dela surja a verdade nua defronte
E empalideça a tez cansada e febril.

domingo, agosto 31, 2014

Vendedor de balões

Numa rua, à noite, sozinho
Vaga um sonho de criança
Nas mãos daquele velhinho

Serpentina no ar
Num balé imaginário qualquer
Emoções de velho-menino
Afloram e urgem até

Atados àqueles dedos
Caras, caretas, personagens e medos!
Bailam descompassados
Plenos de hélio
Entre risos e gritos de desespero:
- Mãe, eu quero!
Vai minha vida, minha infância e o baloeiro.

segunda-feira, agosto 25, 2014

terça-feira, agosto 05, 2014

O passarinho

Pra quem tu cantas passarinho?
Todas as manhãs desta ilha
Nas alturas dos arranha-céus?
Será pra mim que ouço mais alto
Ou porque no silêncio que calo
Teu cantar parece maior?

Certo como o sol
É o despertar de sua cadenciada
Música de singela pureza
Parida sob luz de delicado fulgor...

Sei que é para mim que cantas paz
E segues assobiando então
Cada instante de minha existência fugaz
Marcando cada segundo a mais
Uma batida imperfeita de coração.

segunda-feira, agosto 04, 2014

Um novo amor

Tens um novo amor
Carregas junto no peito
Artimanhas e dor
Mas tens um novo amor
Está ali pendente
Não é inteiro pujante
Apenas presente
Mas tens um novo amor
Será amor ardente?
Ou falta de amor próprio
                         da gente?

A flor ruiva

A flor silvestre
Crescia entre heras
Ervas daninhas, ciprestes
Sinuoso caule
Dançava nua
No seu habitat campestre
Desabrochava ruiva
Sob carícias destas mãos
As que seu perfume empresta.

quinta-feira, julho 31, 2014

Acordar ao teu lado

Não tem forma nem nome
Nasce do acaso
E no acaso some
Tão natural – abrir teus olhos
                                  de sono
Nas impróprias manhãs
Cuja intensa luz
Desvirgina vidraças
Atinge devassa
Tua roupa blue
Nossas faces se colam
E o tesão nos toma
No instante ato
Que tua boca
À minha se assoma.

segunda-feira, julho 28, 2014

Bailarina

Nestes brancos delicados
Pés nus descalços
Beijo com tão grande
Desejo incontido
De ter ora comigo
O roçar das madrugadas
De nossas peles virgens
Do toque recíproco
De nós dois.

Nestes pés opacos
Delicados nus descalços
Com tão grande
Beijo incontido
Salivo o desejo
De unir os corpos
Nossos
Inda ardentes
Vivos sedentos
Sós.

Nestes pés delicados
Que primeiro viram
As minhas mãos
Misturando teu sangue
Tua embriaguez
Hoje me perde a sensatez
Em teu sorriso âmbar
Junto com a pálida tez
Que virgem se fez
Para com minha pele
Ainda casar.

quarta-feira, julho 23, 2014

Notívago

Será veio ou rio
Que desce cristal na face
Será feio ou frio
No meio do nada nasce
Se é falta de sono, crio
O poema que teu corpo abrace

terça-feira, julho 15, 2014

Cantiga das manhãs (despertar)

Por esta janela
O sol já não se insinua ou arde
Me beija o mar por ela
Com sua brisa suave, sem alarde

Por este mesmo vão
Que ora descortina os concretos da cidade
As luzes brotam não do céu, mas do chão
E nesta hora ele me invade

Inda no silêncio da noite
Vem me despertar este canto
Que tampouco é do caos donde habito
Nem da desordem do peito que espanto

É canto alegre da vida
Cantarolando o doce sertão
Vem de longe, vem agreste
no bico que a este som empreste
me assobiando enfático refrão:
Meu filho, desperta já
não há mundo sem ti, não!

domingo, julho 13, 2014

Sou dele

Ele é o meu senhor
De tudo é atento
Não tem pena
E lhe falta pudor
Não encena
Me destreina
Se suspiro,
Vem calar com austero rigor!

Ele é sim o meu senhor
Vem! Me domina
Com olhar felino
me fulmina
Fugir não posso
(e nem quero)
É que na angústia, no desespero
Ele se faz maior.

Oh, meu senhor
Estou inteiramente entregue
Aos seus sabores
Ao seu pendor
Sei que nunca está distante
E às vezes é ágil e fugaz
Outras, manso, isento e atroz
Mas consigo repouso e levanto
E sonho, sonho longe, sonho alto,
Numa terra onde corro livre e veloz.

É ele o meu senhor: o tempo
Invisível e leve como pena,
Implacável qual muralha de pedra
Dura, firme, sem fenda,
É a certeza do infindo existir.
Das transgressões do corpo e da alma
Ele será juiz
E da (tua) espera lenta
Será da vida o elixir.

quarta-feira, julho 09, 2014

quinta-feira, julho 03, 2014

Litania das manhãs

De quem é esta manhã
Que os tímidos raios o céu domina
Em meus sonhos inocentes fascina
E abranda galopante afã?

De quem é este beijo
Que molha meus lábios suave
Suga minha língua selvagem
Penetrando com infindo desejo?

De quem é este olhar
Que me despe num só segundo
Cujo fim é improvável, é profundo
E eleva do chão meu andar?

De quem é esta pele
O macio veludo sequer a imita
E com a minha arrepia e excita
Na ausência a distância compele?

De quem é você, amor
Que outrora fora meu, compraz
Hoje habita outro ser fugaz
E se esconde em solitária dor?

Quem somos nós, enfim
Só resquício dum passado remoto
Ou chama ardente, iminente terremoto
Nos sísmicos dias deste estranho porvir?

segunda-feira, junho 30, 2014

Reticência

O amor cansa?
O corpo descansa?
          A alma inda alcança?
          Ainda há enfim esperança?
                                          Pensa...

sábado, junho 28, 2014

Pequeno Livro de Receitas

Do que é feito o amor?
Das inclinações e rotinas?
Desta manhã que a janela descortina?
Do fel sabor daquel’último beijo?
Do que é o amor é feito?

Será do café que exala da cozinha
Nos domingos claros do verão?
Das escovas de dente unidas
e nossas roupas entrelaçadas no chão?
Do que é feito então?

Dos meus pés com os teus em um nó?
Do frio das cinco que me abraçavas ligeiro?
Do nosso cheiro de sexo suado?
Do pavor me atingindo certeiro
E a distância rompendo sem dó?
É feito disto só?
Não creio...

quarta-feira, junho 25, 2014

Alvorecer

O que vem antes do sol?
Na penumbra do que é nem dia nem noite
Quando olho ao longe no horizonte
e me perco no que me deixou.

O que vem antes do sol?
Será que o dia hoje nasce?
E os raios minha vista embace
Pra me emprestar um brilho qualquer?

O que vem antes do sol?
Vem só labuta, trabalho?
Rotina do dia-a-dia
Ou vem nele a tona o passado?

O que vem antes do sol?
Não é vida, nem é morte
Será tristeza ou falta de sorte?
Ou mesmo a esperança de seguir?

O que vem antes do sol?
Penso, não acho resposta
Então paro, respiro (e te abraço distante),
Esperando ele alvorecer enfim.

E o que virá depois do sol?

segunda-feira, junho 23, 2014

Saudade (2)


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idadesócidadesemsaudade
saudadesemidadesócidade


Saudade

Quando vem desesperada, é posse
Se sorrateira noturna, medo
Se nascer na alvorada, é fossa
Se dormir ao seu lado, aconchego
Se irar quando olho, ciúmes
E se acalmar no longe, sossego.
Agora,
Se chegar tímida e sinuosa
Meio de lado, sem jeito
Tornando-se a dona do peito
Acelerando o ritmo devagar
Pare, meu velho amigo
Abrande a voz
Abaixe o olhar
Ela existe de verdade
Não respeita gênero ou idade
Infinita, doce ou cruel,
Ela se chama saudade.

domingo, junho 22, 2014

Silêncio


Ele segue o sonho mais profundo
E levanta com os primeiros raios do sol
Sei que dele carece o mundo
E repleto na (c)alma só


Domingo

Não gosto de domingos
Domingos estão entre a festa e o trabalho
Estão entre o futuro e o passado
São dias flácidos
São tardes mornas
São noites breves
Nem começam, já terminam
Domingos são despedidas.

terça-feira, junho 10, 2014

lágrimas

Cristais fluidos que refletem cor alguma
Veio que brota de fonte improvável
Refúgio de uns em tardes cinza escuro
Extraindo as gotas homeopáticas
                                        do sofrimento.

sexta-feira, junho 06, 2014

Montevideo, adiós

Adiós Montevideo
A ti ni el tiempo se volvió
Del amor que supiera y hoy se perdió
En sueños locos que juntos
Se me lo quitó.

Adiós Montevideo
A ti vengo decir nomás:
No creo que vuelvas como pensé jamás
Porque lejos y lejos de mí ya sé que lo estás
A sus manos la mía añadir, no se podrá.

Adiós Montevideo
Es que no tengo la perfecta salud
No duermo, ni como, ni tengo actitud
De siquiera aceptar que es insoportable vivir
Seguir es imposible sin ti

Adiós Montevideo
Sus ramblas y sus tardes con puestas de sol
Solito me entierro al borde del “mar” como árbol
Y ofrezco al viento mis hojas sin color
Para que lleve el dolor que mis gajos rompió.

segunda-feira, maio 26, 2014

opostos

fui da guerra
você, da paz
fugi de nós
você, jamais
estamos sós
com você, não mais
desatei os nós
rezei ritos finais
o nosso amor
cruzou vendavais
navegou em mares
à deriva, sem sinais
por fim descansou
ou se afundou num cais
eu que sempre fui ondas
você, meus sais
hoje estou em terra plana
aleijado-louco-incapaz

domingo, maio 18, 2014

Meu Deserto

Homenagem a meu pai que me abraça à vezes menino.

Por cima da porteira velha
Se vê um casarão, outrora majestoso,
Hoje tapera...
No terreiro de chão batido e de pedra
Corria menino com bola,
Jogava-se pião e peteca.
Às sombras da barba de bode
Que vence o tempo valente
Jazem recordações que em mim
Embaçam e nublam a mente.

A fazenda triste e sozinha,
Com a casa de varanda farta
De beirais, alpendre e cozinha
Erguida nos idos de 45,
Ecoa o silêncio de velhos
Que ali cumpriam a sina
De contar estórias da era
Que vaqueirar era profissão de respeito
De homem destemido e direito
Que é sério e não fala balela
É reto e jamais erra o passo
São coisas que nunca me esqueço
Como o véi Zé Pereira e seu cangaço.

O tempo foi em parte cruel
Levou meus heróis de criança
Meu pai, minha mãe, o Itamar
Que hoje me dói na lembrança.
Às vezes os busco de novo
Indefeso, gritando socorro
Nos resquícios de suas passagens
Neste mundo que lhes foi pouco.

Aquela casa – tapera caída
Cujo passado a poeira invade
Guarda num canto escondido
As letras de um velho sem idade
Que assina Hiran Guará, meu filho
Dizendo: “Meu Deserto, que saudade”.

E marejam os olhos sofridos
Deste homem e também do menino.
Sabia que até ali fora justo
No caminho que vinha seguindo.
E cerra por fim a porteira
Deixando a velha fazenda
Leva, porém, uma nesga do tempo
(sem virar o rosto decerto)
Em que ali fora oásis,
Hoje de fato um deserto.

a culpa é da tatuagem

Foi aquela tatuagem. Nas outras vezes sempre sabíamos que era fase e depois que os ânimos se acalmassem nós nos teríamos de novo. As outras eram bobagens, tinham um motivo real, orgânico, fácil de tratar. Esta não.

Nossa vida era uma linha reta, segura, constante. Púnhamos a velocidade que queríamos sem medo de capotar. O fato é que neste fluxo, corríamos o risco das estradas confortáveis: cairmos no sono. Talvez por isso quando um adormecia, o outro tomava um caminho sinuoso, com perigos iminentes, turbinava-se de adrenalina, pra depois correr a mil, juntos, na pista segura de ambos, em nossa autoestrada.

O problema agora não eram as curvas, os abismos e as serras. Deu pane no motor. Perda total? Cadê nosso reboque?

Antes mesmo de verbalizarmos um fim, veio ela serpentinada e azul, beijando aquela pele que me pertenceu. Nela eu sim me tatuei com saliva e com amor antes. A saliva decerto evaporara e o amor ficara ali? Será por isso esta ousadia? Cobrir o que desenhei por anos com desejo, afeto e aflições? Não era justo, não é justo. Foi aí que entendi que era definitivo.

Não sigo mais estradas, corro atalhos fugindo de ti, mas sempre te encontro no final. Sempre. O caminho que era tão certo, hoje não tem sentido. Perdi o mapa, a direção. Estar só dói. Literalmente. Humanamente. Visceralmente.

Os braços que envolvo, as bocas que beijo, as estórias que ouço, tudo fala de ti. Sei bem que no fundo tu quem é o roteirista e o diretor. Que estás ali, cruel, escondido detrás daquela janela vigiando esta cena que atuo. Deixando a tua marca. Escrevendo sobre mim o que sei e o que ainda queria ter sabido de ti. Dirigindo a tragédia de minhas noites vazias. Invadindo meus sonhos intranquilos. Aniquilando a esperança de te rever.

Afinal de contas, me fala! Já busquei em tudo. Google. Pai-de-santo. Maculelês. Salamandras. Padre Quevedo. Deus. Não consigo entender. Que raio significa esta maldita flor azul de tua perna?

terça-feira, maio 06, 2014

Jaz em mim

Não sou céu
Não sou seu
Sou Morfeu
Fecho o teu
Olho mel,
Camafeu.
Meu Romeu
De sonhos mil
Nasceu viril
Findou em abril.
E afinal
Sumiu?
Nunca!
Em mim jazeu.