Tenho tanta saudade de mim...

sexta-feira, maio 26, 2006

anne

Detesto o povo desta cidade. Além de tudo, mentirosos. Vocês nem sabem, outro dia meu pai veio dizendo que lhe haviam falado que ando fumando. Fiquei atônita. Não acreditei. Nunca fumo. Nunca. Indignada, deu um último trago do seu cigarro e o lançou bem longe, impiedosamente, descontando toda a sua raiva. Soltava aos poucos pelas narinas a fumaça de suas impurezas mais profundas e as misturava à atmosfera densa daquela manhã de domingo.

Seus pés delicados, nus, massageados pela areia quente da praia e a brisa morna do oceano eram um convite ao delírio. Momento de exaltação. Superior. Traz mais uma bem gelada, seu garçom. Nada de pensamentos poéticos agora, interrompeu. Gostava mesmo era de ser mundana, sem suavidades de pensamentos, tudo deveria ser prático, bem mais fácil assim de administrar. E aí, vocês vão ao show? Continuava a conversa distraída com a prima e os amigos que há pouco haviam chegado. Um que sequer conhecia, mas que se já dividia a mesma cerveja, então já era amigo. Amigo é matéria de afinidade. Olhou, gostou, pronto, já é amigo. Muito simples. Nada melhor que um bar para fazer amigos, alegre ou triste sempre você encontra um por lá para dividir uma bebida e uma vida inteira.

O dia invadia a tarde, sol quase crepuscular, meio laranja e vermelho maculando o horizonte da baía. Nenhuma conversa fazia mais sentido. Apenas palavras soltas levadas pelo vento e perdida nos ouvidos. Se houvesse alguém que por acaso declamasse um Fernando Pessoa ou discorresse sobre uma receita de bolo, nada faria diferença. Nada realmente faz diferença quando apenas se deve estar. Estavam ali e pronto, é certo que um tanto invisíveis uns ao outros, mas a presença fixa dos olhares cruzados na mesa já cheia de garrafas e dos cacos de cada um era a certeza que eles permaneciam.

Os olhos minguavam qual a luminosidade do dia. Os dela mais que os de todos, devia ser sono, ou quem sabe a morte, ou talvez vontade de sumir. Sentia por vezes estes desejos. Conseguia em alguns momentos, muito raro porém. O fato é que já era hora de sair dali, mas como geralmente não consegue se desvencilhar das coisas tampouco de pessoas, levou tudo para sua casa, exceto os cacos, estes bastavam para um fim de domingo.

Sua casa, mais conversas, nada sem intenção, apenas faladas. Os corpos caem logo pelo chão da sala. Dormem. E se vê só. Maria! Não acredito que Maria já tenha saído... Andou pela casa procurando nada, pisava o chão somente com a vontade de ter o frio da superfície lisa sob seus pés. Ela de fato era sozinha. Mesmo com todos ali entorpecidos com o seu feitiço sonífero, continuava só e sabia disso. Melhor fugir. Parou de andar, voou ainda um pouco e desapareceu.