Tenho tanta saudade de mim...

segunda-feira, novembro 06, 2006

o dia que os anjos nascem

Ele decidiu acordar mais cedo. Não que houvesse alguma obrigação a ser cumprida. Decidiu apenas ver o sol nascer e assim fez. Sempre fora assim, decidia ao acaso seus caminhos e os percorria. Não acertava algumas vezes, mas jamais negava o desejo do coração. Era supersticioso. E apesar de todos os sinais apontarem mais uma manhã trivial, sentira que aquele seria o seu dia, como se sua vida fosse todo aquele instante e todos os gestos, por mínimos que seus músculos fizessem, tomariam explosivamente a vastidão do infinito, marcando a sua existência tão fugaz e efêmera até então. Talvez pudesse sentir um quê superioridade em seu devaneio. Mas na verdade sabia que apenas amava, amava tanto que desejava seu corpo unir ao mundo, seus recônditos, sua lama e seu esplendor, sem escrúpulos, sem medo.

Era só. Fisicamente era. Nenhuma paixão carnal relevante, nenhuma semente ou herança, nada. Tristeza não combina com solidão. Não para ele. Feliz é ser livre e isto ele o era. Tão livre que era dado a risos em velórios, mas não porque era sádico, via apenas as coisas diferentes. Por ter as pupilas coloridas quiçá pudesse descrever todas as cores jamais contempladas que por certo os raios inatos do sol desenhariam no céu aquela manhã.

O breu do horizonte já se tornava tênue. Não demoraria muito o momento que tanto desejava. A aurora pouco tardava a surgir naquela cidade equatorial. Tudo era muito dinâmico por lá e se qualquer um parasse um pouco e suavizasse suas ondas elétricas mentais, até o movimento de rotação da terra seus pés poderiam sentir. Então veio a luminosidade policrômica da manhã. Chegava a ser grossa e pesada. A brisa marítima acompanhava a velocidade da intensidade do brilho do sol que crescia a medida que este invadia toda a cúpula celeste. A sacada já não era suficiente...

E quando suas retinas cegaram com a atômica expansão da luz, a brisa fez-se tufão e os braços do rapaz eram asas. Um anjo pálido, taquicárdico. Pulou do décimo quinto andar. Morreu de traumatismo craniano.