Tenho tanta saudade de mim...

quarta-feira, outubro 20, 2010

cara, meu caro

Segunda- feira. Noite fria e barulhenta naquela São Paulo, vinte e três horas, quinze minutos, alguns segundos, pernas e gemidos.

- Não sei se é amor. Acho que isso não tem nome. Só sei que é bom...

Ela riu, virou o corpo, dormiu.

Ele, perplexo, levantou-se, vestiu a roupa e saiu.

Assim havia sido sua vida há tempos. Uma prostituta moderna. Ou melhor, rica. Amor tinha forma, medidas e, obviamente, preço (e ela, o seu). Sempre fora dona de suas vontades, exceto do seu corpo, posse de toda aquela metrópole. Mesmo quando a pele era mais rija e as carnes menos fartas, não se entregara a sentimentalismos convencionais ou sequer inclinara-se em conceitos pré fabricados. Pré moldados. Pré feitos. Prefeitos. Casas pré fabricadas. Concreto. Mutirão. Credo! Não gostava nem seus pés, imagina dos “prés”. Soava estranho. Démodé. Bem retrógrado e suburbano. E não lhe apetecia nada que a remetesse ao passado inglório da infância. Pobre. Precoce.

Cresceu puta, como a mãe, mas pela perspicácia adquirida do pai (estelionatário renomado), fugiu logo da rua. Tornou-se cara, meu caro. Somente as mais fartas contas bancárias lhe conheciam. Exclusiva de seus bens, deitou-se com o apartamento da Vila Nova Conceição, fez orgias com os vôos de primeira classe na Air France, gozou com o conversível de cifras milionárias e, com cada Gucci, Armani, Valentino, Gabbana e Lacroix das boutiques, praticou felação. Fez fama e fortuna. Jovem, dissimulada e sempre, chegaram-lhe, mesmo com os trinta e poucos, os calores e as decepções. Começou então a reposição hormonal e assim pôde manter a vagina úmida, pérvia, com o mesmo odor e furor lascivo teatral. Se havia algum prazer neste verossímil fingimento, sequer ela ousava dizer. Sua trajetória tão alheia a si chegou ao ponto de lhe roubar o ser e, agora, era apenas a outra.

Sem nome e com muito Chanel número cinco, sorvia a taça de Veuve Clicquot e lembrava da última visita a Paris enquanto alí embaixo lhe lambuzavam o sexo com saliva e nervosismo. Um arroubo de entusiasmo a assaltou da viagem. É que a língua penetrara mais profundo. Soou um ai. Então se contorceu e retesou as pernas. Ele ejaculou com a possibilidade dum orgasmo roubado. Era um cliente fácil. Dizia-se apaixonado, que tal? Ainda extasiado, disse-lhe algo que agora não se lembra bem do que se tratava, só recorda que achou pilhérico, e riu. E desmoronou.

Levantou ainda há pouco com ressaca, lavou o rosto, tomou o comprimido da juventude, esqueceu-se do mundo e voltou a viver.