Tenho tanta saudade de mim...

sábado, fevereiro 11, 2006

prazer

Era uma noite para se amar. Havíamos chegado tarde aquele domingo, o trânsito estava complicado, estranhíssimo para a ocasião. No carro, mal contínhamos os impulsos, nossas mãos atrevidas invadindo as roupas, nossos olhares safados, nossas línguas molhavam os lábios e provocavam ainda mais nossos desejos. Quase subi no canteiro central da avenida depois que sua mão desceu para o meio das minhas pernas e a ponta de sua língua tocou minha orelha. Demos então uma certa trégua à nossa excitação até chegarmos em nossa casa.
No quarto, a penumbra acariciava nossos corpos já nus e a música que embalava o momento ditava o ritmo de nosso beijo, tão quente, tão ardente. Sua língua deslizava toda extensão da minha boca, percorria meu pescoço, minha nuca, e o corpo estremecia. Ficamos ali, em pé, nus, excitados por um bom tempo, provando cada pedaço de nossos corpos. Logo estávamos na cama, as mãos unidas, os corpos roçando, puro prazer. Minha boca em seus mamilos, viajando naquela geografia lisa e quente, passando por sua barriga, suas pernas e coxas, sua virilha para então morrer em seu sexo com minha língua morna, úmida e nervosa a lhe tirar os gemidos e a razão. Tão logo sinto sua boca igualmente tocar minha pele e sua língua ágil, que agora molhava também meu sexo, movia na mesma intensidade que eu provava seu sabor. Quanto tesão... nosso sexo vulgar, promíscuo, carnal... éramos nada mais que dois lascivos amantes, irracionais, sem consciência de passado, futuro ou de qualquer tempo, éramos gozo e apenas isso.
E depois de saciados, plenos, extasiados, nossos lábios mais uma vez se encontraram, agora ternos, agradecidos, nossos corpos suados se uniram num abraço, nossas pernas se entrelaçaram, éramos um, a paz nos invadiu e então adormecemos.

sábado, fevereiro 04, 2006

desnudo

Era tarde ainda cedo e o vento que estremecia as vidraças das janelas entreabertas abrandava o calor que fazia no apartamento. Da sacada, de cabeça baixa olhando uma plantinha no jardim do condomínio ouço o telefone e nem precisava pegar o aparelho pra saber quem me ligava. Taquicardia. Ouço sua voz, triste. Não poderíamos nos ver no fim da tarde... Sempre fui muito dramático e intenso em minhas palavras, talvez porque eu seja realmente assim já que depois daquele telefonema de pouco mais de meio minuto um buraco me sugou do chão, meus ossos estremeceram, meus ouvidos morreram, os olhos ficaram úmidos e então chorei.

Nem mesmo consegui entender tudo aquilo, afinal nos conhecíamos há menos de uma semana e parecia que tudo era tão forte como uma rocha, como uma vida inteira. Aliviei meus pensamentos ruins, acalmei a angústia do instante. Liguei o som. Aquela música me fazia lembrar de cada pedaço de sua boca, cada centímetro de seu corpo, cada suspiro e então viajei naquele devaneio. Num infinito, busquei o gozo deste momento e percebi que a simples certeza de sua existência era suficiente para o meu amor. Nunca imaginei que pudesse um dia voltar a ser pura sensibilidade assim. Perdi minha pele e estava novamente em carne viva e em sangue. Dói estar assim, admito, mas nada se compara ao prazer de poder sentir tudo com tamanha intensidade, até mesmo o pouso duma mosca em minha superfície cálida.

Agora, desnudo e sem pele, nada pode cobrir meu corpo, nenhuma máscara, nenhuma capa. Completamente desprotegido, indefeso e sem armas estou. Não há segredos e mesmo assim nada temo. Nada me toma de incerto. Sou como se quer. Amo apenas.

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

fechar os olhos

Fechar os olhos. Um jardim cinzento de inverno, calmo, e um pássaro sozinho, quieto, manso que aos poucos morre calado como que saboreando cada segundo de seu morrer. Queria bem assim um dia partir, sereno, lúcido e consciente de meu fim para então meu corpo se misturar à terra, num encontro único em que tudo invade e ao mesmo tempo se evade de minha extensão. Penso que depois, enfim, não teria mais começo nem fim, seria toda a terra, todas as plantas, todos os alimentos e todas as pessoas, parte integrante da matéria, milhões de átomos, energia pura. Ah, o que é isso que me toma e me faz sentir elevado? Tão alto, tão além, tão acima do além? A perspectiva de ser o tudo no final me traz gozo como a sensação de abrir os braços e deixar os dedos lá, bem longe, bem esticados, tesos, e o vento a correr entre mim, por mim e em mim.

Fechar os olhos. Um vôo alto e os braços em pena. Ser pássaro. E a liberdade que nunca dantes tivera enche minhas papilas dum sabor de céu. E lá fora, bem acima de meus horizontes, o silêncio explode no peito e cresce dentro, profundo e infinito, afoga e abate, corta-me as asas e mais uma vez, desesperado agora, morro, a cabeça em direção ao chão, o bico apontando o meu fim.

Fechar os olhos. Não quero ser pássaro nem jardim, nem ser livre ou alto. Fechar os olhos apenas e nada pensar. Pensar cansa. Apenas fechar, ficar ali, quieto e no fim adormecer.