Tenho tanta saudade de mim...

sábado, setembro 25, 2010

amarelo

Outro dia estava quieto, parado, no meio da rua, sem intenções sombrias. Era ainda de tarde, sol forte (a luz aqui é doída, sabe). É chato esperar semáforos se abrirem. Hoje mais ainda que acordei ofendido. Pronto, verde. Pisei lento o asfalto fumegante e com o olhar vago, absorto, segui nobre, quando zás! passou uma menina em disparada, quase se esbarra em mim... Colérico, parei. E, imóvel, fixei o olhar na fitinha do seu cabelo que dançava com o aquele movimento. Era amarela! A fitinha era amarela! Dei uma risada. Nossa! Lembrei no instante de Ariela. “Quem nunca ouviu falar da Ariela? A menina da fitinha amarela. Sapeca, que corria no meio da fazenda, dava nó no rabo do porquinho, soltava papagaio...” Mamãe lia isto pra mim. Não lembro bem todos os detalhes da estória. Só sei que aquela fitinha amarela me assaltou tão impetuosamente, trazendo uma simplicidade tal de sentimento que, igualmente, tornei-me amarelo. Fiquei da cor da minha infância, da cor de minha mãe e do meu pequinês – o Ringo. E, puxado num novelo de lembranças, vem a figura de vovô. Ele e todas as suas tardes e tolices; sempre levava um picolé pro meu cachorrinho, fazia cafuné no bicho, só pra se lembrar de mim (que já morava noutra cidade). Ora, eu saio de casa e logo em seguida sou um cachorro! Gozado, sempre apago isto de mim.

Perdi a meninice cedo. Foi um parto a fórcipe, “a ferro”, como bem se diz por aí. Talvez por isso eu me esqueça de ser humano. De voltar em mim e ali desfrutar a mesma doçura de outrora. De estar quieto e feliz.

Mas nada me toma de efeito, nada. Tudo sempre recai com o peso insuportável da impossibilidade. Tudo lateja e arde como ferida aberta. Eu, que apenas quis dar um passeio pela cidade, agora estou aqui, pálido, ou melhor, amarelo, e sem saber o que fazer. Há tempos decidi ser só e não posso, e nem quero, que tomem de mim o tocar-dos-pés-no-chão. É fato. A experiência já deu provas: tudo que é sublime tem seu preço, e é caro. Tudo que é simples e leve voa. E não tenho asas. É esta agora a angústia deste poste no meio da rua que sou eu. E, apesar do emaranhado de fios, da eletricidade e das conversas, tudo apenas passa por mim. Apenas passa. Apenas deveria passar, mas aquela fitinha...

Abre o sinal, tocam a buzina. Atordoado, recuo. Viro. Sigo. E sumo.

quarta-feira, setembro 22, 2010

inexistir

Não acabe com minha poesia, não corra com o vermelho pulsante de minhas artérias já dilaceradas por teu amor pujante e assassino, não fuja de mim...
Se ando calado, é que sou vazio. Tombaram meu corpo no caminho e agora me batem a cara como um cadáver de olhos vis. Se me rompe o peito a angústia, é que não sou nada além de nós. Estou cansado. Cansado mesmo. Cansado de escrever, de pensar, de tentar trazer à tona o que me traz de incerto a existência. Não espero que eu volte a mim tão cedo. Não. É que, vagante espírito, sei que posso ser nunca e nada, apenas hiato, apenas distância e memória (ou esquecimento, se assim quiser). Sei que assim posso ser traços, palavras soltas, sussurros e onomatopéias. Assim posso alcançar o sublime inexistir. Assim posso ser só. E só. E pó.
Chega o vento.
- Ffffuuuuuuu!
E agora nada.