Tenho tanta saudade de mim...

domingo, agosto 29, 2010

zzzzzzzz

-Doutor, eu tenho um tumor no seio? É muito grave?

-Minha senhora, é um câncer de mama (pausa) estágio dois bê.

-Ai meu Deus! O que quer dizer isso, doutor? Que eu vou morrer mais rápido? Fale logo!

Olhar fixo. Silêncio.

Não minha senhora, quem queria mesmo morrer agora era eu. Morrer é inerente a quem é vivo, ora! não sei porque o pavor de algo que nos mantém (ou pelo menos deveria) no prumo da vida. Para quem perde o respeito pela morte, como eu, ela não vem... Eu que sempre escrevi nas crônicas póstumas minhas declarações docemente pensadas, falando de uma vida cheia de amores incompreendidos que me levaram ao extermínio deste ser vagante de alma tísica, notívaga, trôpega e delirante; eu que sempre me atirei de prédios como um pássaro de asas arrancadas e cultivei o cinza dos olhos; que criei a dor, dei-lhe forma e fama; que abracei a noite fria como uma amante moribunda que arde a última chama por um beijo vagabundo, tal qual fora sua existência, suja; eu que tantas vezes maculei as mãos com o rútilo sangue cujo fluxo interrompi quando com a lâmina fria separei carnes para juntar vidas, agora rogo para que com feroz ímpeto me rompa em mil traços e sem linha reta a vida cheia de reentrâncias e subversões. E me faça em nada, apenas fugaz recordação.

-E então, doutor!?

-Não se a senhora quiser. Basta aceitar o tratamento...

- Mas, doutor, e se...

Se, se, se, se.

Zzzzzzzzzzzzzz. É ela.