Tenho tanta saudade de mim...

domingo, dezembro 28, 2008

ainda sou teu

Tombei. Procurei na Torre de Babel dos são um valente e ousado aventureiro, preguei meus olhos no primeiro degrau. Entre psicotrópicos e narcóticos tentei desobstruir minhas retinas e lá estava eu, cego. Não adiantou colírios alucinógenos, a realidade sempre vira a tona. Não que tenha sido a primeira vez que isto me ocorrera, já havia morrido outras vezes sim, aliás desde quando me descobri adulto e adúltero de meus sonhos que as sombras nefastas da solidão me perseguem. Na bagunça do meu coração eu perdi o leme da razão, o senso do correto e lá estava eu no chão mais uma vez. É que nunca me ensinaram a amar, nunca soube bem o que é isto; mas se amar, como cantam poetas e boêmios, é sofrer avassaladoramente a ausência de outrem, então amo desesperadamente. Pena que descobri tão tarde...

E na fraqueza dos meus dedos e na fragilidade do meu coração, pus meu pescoço à mercê do algoz carrasco. Seu cutelo já macula de sangue minha pele. Mas se é indignidade desnudar a alma, assumir a culpa e se entregar ao castigo, sou o mais indigno de todos os homens. Não aprendi a mentir ainda, não me deram tal capacidade. Não que eu ache que a dissimulação seja o melhor caminho para se manter sempre intacto, mas dizem que se sofre menos. E não quero crer...

Mas se mesmo na indignidade de minha alma, na cegueira de meus olhos e no vazio da solidão consigo preencher meu ser de felicidade quando vejo o brilho dos teus olhos e sinto a ternura de tua mão, e se mesmo embaraçado por minarem de mim lágrimas de tão pulsante e cálido desejo de te ter ao meu lado, ainda luto para devotar tal sentimento a ti, é porque ainda sou teu.

quinta-feira, julho 03, 2008

Simples

Para quem é simples

Eu tenho tanta coisa pra falar, contudo minhas palavras são mar, apesar de profundas, por ser água, também afogam. Então calo. A ternura do teu olhar pequeno, um colosso avassalador no peito; e por andar apaixonado, temo perder a compostura, não conter em mim, e mais uma vez calo. E poderia até mesmo escrever sobre teu beijo, mas como descrevê-lo seria transcender todo o vernáculo e mesmo assim chegar apenas no incompleto saber, então eu paro.

Tenho andado mais leve que o habitual, não que minha dieta tenha feito algum efeito, a alma é que voa mais alto e carrega consigo o resto que sobra de mim. Talvez assim eu tenha estado aqui e longe, em mim e em ti. Fecho os olhos e possuo o mundo inteiro, nele encontro o calor de tua pele, a suavidade da tua mão, a tua língua; adormeço todos os dias assim; teu abraço, meu cobertor.

E como não se pode compreender a intensidade das sensações quando a cronologia dos fatos é tão recente, descarto os ponteiros, eles não têm me trazido muita felicidade; tu, sim. Imagino muitas descobertas além, mas me contento com o agora. É que o simples apenas se vive e pronto.

quinta-feira, maio 15, 2008

ele vai morrer

Ele era feio, pequeno e indefeso. Seu destino já havia sido traçado. Ele vai morrer. Não de morte natural, daquelas que diariamente guardamos a expectativa silenciosa de sua chegada. Seria premeditado, ritual macabro quem sabe, cruel ou não, mas lhe tirariam a vida.

Era Muchipiran Kappó, era indiozinho, era portador de paralisia cerebral. Muchi, como carinhosamente era chamado pela cunhã, sua mãe, foi parido no meio do mato, depois de três dias de dores, nasceu ao contrário, como precocemente tudo na sua vida já era, primeiro vieram as nádegas, depois o resto. E Muchi se tremia mais que os outros curumins de colo, por isso o trouxeram para a capital. Puseram Muchi num prédio alto, num quarto com mais uma criança e lá prenderam os pais abnegados. Tanto zelo se ouvia pelos corredores, mãe de Muchi dizia pra todos que passavam: “Não quer levar Muchi? Leva! Leva!”. E Muchi permanecia com seus espamos e ladeado de promessas. “Tenho quatro filhos, Muchi diferente, Muchi vai morrer”, dizia o pai.

Passaram dias, semanas, infundiram líquidos, drogas, mas nenhum elixir vital que trouxesse Muchi para longe de seu triste fim. Médicos, enfermeiros, estagiários, todos postergavam alta hospitalar de Muchi, mesmo que nada mais pudesse ser feito por ele e mesmo sabendo que ao voltar a sua aldeia, não importasse quando, seria enterrado vivo ou deixado no meio do mato sozinho.

“É cultural, minha filha, mande Muchi cumprir seu destino”. Disse a chefe da pediatria para a médica assistente. Foi a sentença final de Muchi. Foi uma manhã clara. A médica ainda deu as orientações sobre a medicação que deveria ser administrada em casa. Foi ouvida com bastante atenção. E levaram Muchi...