Tenho tanta saudade de mim...

segunda-feira, setembro 29, 2014

Segundo olhar

A grama do jardim
do inimigo
é tão úmida e escorregadia
quanto a minha.
As formigas ardem na pele
de quem é picado
com prurido símile de outrora.
O que muda senão a forma
oblíqua e solitária
de enxergar o abismo
que tu te afundas?
O que esperar além das desgraças anunciadas
perversas e sádicas do porvir?
Esperança?
Nome infame:
fidelidade aos incontroláveis
desdobramentos da ilusão
é como se entende.
Sê só e em maior parte triste
que o riso ao nascer
ilumina mais e aquece pujante
a face.

Encruzilhada

Na meia distância
da estrada que percorro
aos tropeços
entre a irracionalidade
e o patente controle
dos desejos
é onde você
eu encontro.

domingo, setembro 28, 2014

Sentido da vida

Ir ou voltar
Sorver esta (in)decisão
e seguir
não girar o pescoço
Ser leste
bússola adiante
Ensurdecer grito de socorro
Sufocar palavras não ditas
Empalidecer pupilas
Revolver ruínas
genuínas peças perdidas
O cálice maldito
da tua boca
adicta
à minha
Qual o propósito,
minha vida?

sábado, setembro 27, 2014

S-o-b-r-i-a-m-e-n-t-e

Ela nunca ocorreu.
De vaginas úmidas em labor
sua existência declinou.
É vaga como se sente
e não se toca
e nem se vê.
Mas pesa, pesa muito,
mais que toneladas que o homem
ousasse mensurar.
Segue sempre abstrata.
Imagina-se o que queira dela.
Nela cabe o universo,
cabem as nuvens,
cabe eu inteiro e nu
e cabemos nós em outras eras.
Ela me leva para onde não quero
e na sua mais profunda perversão
é exatamente onde queria estar.
Não se afere o tempo em sua casa
que sequer tem cantos:
as sujeiras ficam expostas na sala
às vistas.
Ela é deus.
É o lamaçal dos homens.
A carnificina das guerras.
São cabeças decapitadas.
São noites cruéis.
Nela a infância brinca e não tem fim.
O ser humano é imortal sob sua pele.
As palavras são incompletas quando a ela se proclama
amor eterno.
Os seios de minha mãe estão lá também
saciando meus medos e minha saudade.
É uma grande vaca de tetas macias,
uma cama imensa onde encontro conforto,
é o vértice do mundo,
alfa e ômega
a Bíblia inteira.
Ela sou eu de pés feridos andando no asfalto
quente do meio dia
clamando por misericórdia.
Ela é a cegueira
e a luz.

quinta-feira, setembro 25, 2014

Frente e verso

Dá-me tua língua.
O vértice de tuas pernas.
Deixa que enfie tudo
em tuas entranhas,
geme alto,
pede,
apanha!

Dá-me de frente
e teu reverso
quero meu sexo inteiro
no teu corpo
imerso.

Nas profundezas de tuas águas
explorar a escuridão
de lá nascer o prazer
com malícia e precisão.

Sê liberto:
move-te em minha cadência,
treme extático,
tem malemolência.
Revira os olhos.
Saliva espessa.
Engole tudo, logo!
Que meu gozo
tem pressa.

quarta-feira, setembro 24, 2014

Bem-te-vi

Não é desassossego
nem assombro.
Faço poesia
porque respiro.

Nem sol, nem pleno.
Sou deserto:
na aridez
encontro meus oásis.

Um poeta insurgido
da ausência de ti.
Inspiração vem de onde,
bem-te-vi?
Meu bem:
Eu Vi.

Poesia

Não surge ao acaso.
Nasce vaidosa pelo artista.
Meticulosamente pensada.
Têm sons inclusive suas vírgulas.

É refúgio de alguns em dias cinza,
desejo de mundo que alucina.
Bebo seus versos como louco
não pela sede que fere as entranhas,
nela alivio meus temores
e corro livre pelas planícies,
meus abismos, suas montanhas.

Serpentina enleada em retalhos
de tecidos vivos, peles e feridas,
jorra sangue nos olhos dos inglórios
homens de vidas miseráveis e aturdidas.

É mulher ou mesmo ninfa,
virgem pura e puta. Assinta!
Na amargura de minhas noites infindas,
suga meus lábios com furor
rouba vampira meu calor
e debruça meu corpo sem vida
que só encontra o sopro divino
na alvorada,
com pássaros
e suas cantigas.

domingo, setembro 21, 2014

Pensando em você nesta madrugada

Os dias passam
E não me curvo à ordem do vento
Sigo destino infame de viver
O desatino diuturno do tempo.

Sou louco desvairado maior
Faísca de fogo ardente
Sou tu, um pedaço pior
do amor que tinhas da gente.

Sei que hoje esta dor me domina
E mais tarde o sofrer que fascina
Correm soltos num desejo de então
Me abraçar e te envolver sem razão.

sexta-feira, setembro 19, 2014

Esquecer

Não existe, pois, esquecimento
Esquecer é irmão do lembrar
Esquecer é trajeto tormento
E no fim o vazio alcançar.

Não existe tal sentimento
E será sentimento olvidar?
Arde em mim só o pensamento
Em tentar este ato findar.

Viva, meu amigo, a lembrança!
Desta há como guardar
Nela ainda habita esperança
Abraçá-la é um gesto de amar.

terça-feira, setembro 16, 2014

Receituário de Carol

Aprender a cuidar
de si é:
saber ficar sozinho
e assim estar bem acompanhado;
nutrir-se de bons alimentos
e de sol, de natureza, de exercícios físicos,
de cultura, de estudo...
Trabalhar não somente a labuta diária
mas também a alma, a persistência e a constância.
Cultivar as boas amizades
e antes de tudo sermos amigos
de nós mesmos.

Carolina Luna

Rio de Janeiro-RJ, 16 de setembro de 2014.

segunda-feira, setembro 15, 2014

Tua boca

Ali habita o mistério.
A brancura insinua-se
entreaberta com o vermelho
em torno
dela.

Nascem rios
pelos seus cantos
agudos.

Suculenta, macia,
açúcares de frutos selvagens
meu desejo te saliva
ó, língua tenra.
Vem!
Massageia o profundo de mim.

domingo, setembro 14, 2014

Cantiga de sapos

A quem é frio, anuro.

Será que enganas meu coração?
Maiores que as cicatrizes que te pertencem
São aquelas que me desfiguram a alma
Antiquíssimas, belas e cruentas,
Exsudam com as lágrimas que evanescem.

O corpo – torpe afã
De morte, sangue, gozo animal
Estremece extático no teu lamaçal:
Cama tua – imundícies e o mal.
Na calada da noite tu foges
Teu silêncio covarde, marginal
Só revela que és um açoite
Escarneces não defronte
Já que és pútrido, venal.

De ti sem receios corro
O regozijo que foi pouco afinal
Não me preenches mais com teu jorro
Líquido espesso
Cuspe, asco, gemidos
Teu espasmo terminal.

E mais uma vez encerro
O desencontro sinérgico de meus dias
Será que amanheço baço
Ou me enterro num buraco de jias?
Coaxar cantigas de outrora
No sal contra pele queimar
Lembrar não a ira que aflora
E só desta dor orgânica me fartar.

sexta-feira, setembro 12, 2014

Adormecer

Ainda bem que existe amanhã,
Hoje foi fatal...
O ranço ainda levo afinal
Na saliva grossa
Que engasgo
Teu nome
Teu sal.

Ainda bem que existe depois
O gozo foi escasso
Desejo disperso
Envolto em teus braços
Que nunca foram meus
Só maus

Ainda bem que há uma noite no meio
Travá-la: embate cruel.
Dominá-la? Só Valium, Seroquel...
Ou em boca flácida
comungar fluidos infectos
para morrer num enlace
carregado por Morpheus.

quinta-feira, setembro 11, 2014

Eu vi

Conjugar o verbo ver
na primeira pessoa do singular
no pretérito perfeito
do indicativo
é enxergar mais além
de meus defeitos.

É unir,
gramaticalmente,
o que o mundo apartou
da gente.

Engraxates da João Lisboa

Os olhos que guardam um século
Debruçados em beirais do tempo
Testemunham as paisagens fugazes
Mutáveis como pensamento.
Num esforço sobre-humano
Estas mesmas retinas ainda zelam
O que resta de passado
Nesta praça ao meio dia
Na esquina que ora espia
Presente e futuro passando.


segunda-feira, setembro 01, 2014

40°C noturnos

É falta de sono
Ou dose insuficiente
De rivotril?

É falta de sono
Ou dor recorrente
Desde abril?

É falta de sono
Ou excesso de alma
Que em mim floriu?

É a falta de sono
Que de mim compele
Teu corpo ardil?

Ou a falta de sono
É a que enfim desfere
Golpe final e vil
De seguir noites insones
E viver amores infames
Que ainda creio e cri?

Vem, falta de sono
Alucina este olhar
E enruga minha fronte
Dela surja a verdade nua defronte
E empalideça a tez cansada e febril.