Tenho tanta saudade de mim...

terça-feira, janeiro 24, 2006

guerra de mim

hoje descobri que sou mau. É inevitável deixar de admitir que mesmo por trás de atitudes desinteressadas de benevolência, a crueldade, ainda que latente, contida e controlada permanece ali, quieta, como que instigando e questionando a sinceridade de meus atos, a pureza de minhas palavras. Não chego ao ponto extremo de afirmar que seja hipocrisia. Não. Isto seria muito superficial e atentei ao fato que não posso ser superficial. A visão de mundo a qual fui obrigado enxergar com minha formação acadêmica cujos conhecimentos teóricos aliados a vivência prática não permite que eu limite meus conceitos sobre as pessoas simplesmente pelas suas patologias físicas, emocionais ou sociais. Tenho que ir além. Apesar de a tendência seja sempre a de despersonificar o outro, pô-lo num grupo, como numa metodologia científica positivista arcaica, em que o diferencial da possibilidade de atitudes próprias perde seu crédito, não devo ser igual. Tenho que estar além. A vontade nazista que se tem da construção de uma sociedade menos caótica, eliminando aqueles que permanecem no caos, que trazem o caos ou que são o próprio caos nada mais é que o avivamento da vaidade egoísta ariana e demagoga, razão basal de todas as guerras que o mundo já sentiu. E que agora desperta o campo de batalha dentro de mim. Estou no meio da trincheira em que dois de mim lutam. Terei que morrer. Talvez morto eu seja mais coerente. E eu que ainda pensava que um dia poderia ser feliz...

segunda-feira, janeiro 23, 2006

sozinho

<><><><><> o sol invadia mal educado a vidraça de meu quarto e esquentava as colchas da cama que cobriam meu corpo ainda quieto da longa noite de sono. Acho que tenho ficado criança estes últimos tempos, afinal dormir tão cedo num final de semana seria nada mais comum às puerilidades dos idos tempos. Devagar e nobre abri as pálpebras e os ponteiros do relógio me traziam uma grande felicidade. Era sete da matina. Tinha certeza que uma hora dessas ninguém que conhecia deveria estar acordado, nem tampouco minha avó que sempre dormia um pouquinho a mais nas manhãs de domingo. Talvez esta sensação de ser só no mundo, naquele instante, trazia um sentimento superior e logo meu corpo se pôs ofendido.

<><><><> a caminhada nada freqüente em meus dias seria algo interessante naquela hora. Pus dois currulepos* nos pés, uma bermuda jeans e camiseta cinza claro como o horizonte. Mais tarde choveria. Decido então dar sentido àquela manhã e logo inventei que deveria tirar dinheiro para o almoço no caixa eletrônico que ficava perto de um posto de gasolina próximo a meu prédio. E fui. Surpreendo ao ver já duas pessoas numa pequena fila do caixa e algumas outras sentadas em bancos fixados ali perto. Frustração. Não era mais só...

<><><> inadvertidamente ouço pedaços de conversas de comadres. Uma dizia a outra que tinha um primo cuja alcunha era “Careca”. Careca era um sujeito muito responsável e havia sido assaltado. Ri comigo. Ora veja, a pobre vítima mais parecia ter nome de ladrão. Preconceito. Engraçado como detalhes nos fazem criar perspectivas sobre as pessoas sem ao menos conhecê-las. Talvez tenha julgado mais que deveria ao longo de meus trinta e cinco séculos de vida. Deveria ter olhado mais pra mim. Deveria ter sido verdadeiramente só.
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<><> *currulepo = tipo de calçado estilo sandália típico do nordeste feito de borracha de pneumáticos

domingo, janeiro 08, 2006

rave

-------e o som frenético, hipertenso, taquicárdico
-----e a luz agitada, incoerente, paroxística
---e o corpo, máquina, máquina-corpo, robô

---sem ordem, sem roteiro, sem retalho, sem retrato
--------sem verso, sem fonte, sem rumo nem fim

---tunzt tunzt tunzt tunzt tunzt
-----------tá tá tá tá... tá tá tá...

---torpor...
----e é dia!