Tenho tanta saudade de mim...

quinta-feira, maio 15, 2008

ele vai morrer

Ele era feio, pequeno e indefeso. Seu destino já havia sido traçado. Ele vai morrer. Não de morte natural, daquelas que diariamente guardamos a expectativa silenciosa de sua chegada. Seria premeditado, ritual macabro quem sabe, cruel ou não, mas lhe tirariam a vida.

Era Muchipiran Kappó, era indiozinho, era portador de paralisia cerebral. Muchi, como carinhosamente era chamado pela cunhã, sua mãe, foi parido no meio do mato, depois de três dias de dores, nasceu ao contrário, como precocemente tudo na sua vida já era, primeiro vieram as nádegas, depois o resto. E Muchi se tremia mais que os outros curumins de colo, por isso o trouxeram para a capital. Puseram Muchi num prédio alto, num quarto com mais uma criança e lá prenderam os pais abnegados. Tanto zelo se ouvia pelos corredores, mãe de Muchi dizia pra todos que passavam: “Não quer levar Muchi? Leva! Leva!”. E Muchi permanecia com seus espamos e ladeado de promessas. “Tenho quatro filhos, Muchi diferente, Muchi vai morrer”, dizia o pai.

Passaram dias, semanas, infundiram líquidos, drogas, mas nenhum elixir vital que trouxesse Muchi para longe de seu triste fim. Médicos, enfermeiros, estagiários, todos postergavam alta hospitalar de Muchi, mesmo que nada mais pudesse ser feito por ele e mesmo sabendo que ao voltar a sua aldeia, não importasse quando, seria enterrado vivo ou deixado no meio do mato sozinho.

“É cultural, minha filha, mande Muchi cumprir seu destino”. Disse a chefe da pediatria para a médica assistente. Foi a sentença final de Muchi. Foi uma manhã clara. A médica ainda deu as orientações sobre a medicação que deveria ser administrada em casa. Foi ouvida com bastante atenção. E levaram Muchi...