Tenho tanta saudade de mim...

domingo, junho 25, 2006

o riso e suas artimanhas

Feliz de quem me ama. Só amo um; e rio para muitos.

Meu riso é tão grande quanto o amor dos outros. Amo para sofrer, mas nunca deixo de rir. E me amam. Eu, nem sempre. Quando a tristeza do outro rasga o peito, tenho sempre o amor de um cultivado pelo meu riso. A solidão me apavora. O remédio: rir.

Deixar de amar dói. Demora. No processo sempre me perco na ilusão da volta e pronto, estou no ponto inicial. Mas quando tudo se perde na imensidão do tempo e as coisas do passado e suas repercussões já não me fazem correr para um colo estranho que me espante o ser sozinho, questiono as lágrimas que em minha face correram. E o que preenchia meu vazio de sempre de fato é bem menor que os grãos d’areia das dunas áridas da solidão.

O tempo é cruel. Traz consigo toda a força do esquecimento e a avalanche da indiferença. É insidioso. E mata. Um Davi que com pedras e dentes dilacera o corpo do gigante até o instante que não há uma gota de sangue a tingir as gengivas mortais do pequeno criminoso. E perdemos os créditos das experiências. Bobagem pensar que o erro de amar jamais é repetido. Erro sempre. Errar é tentador. Seguir adiante sem pequenos tropeços é complicado. E nesta perspectiva de erros que o passado e o tempo constroem seus castelos para os quais fugimos quando a tormenta dos dias nos faz incapazes de achar saídas. E é também neste erro que tudo de mais intenso nos invade o corpo, as entranhas e nos faz vivos.

Viver num limiar de glória e abismos é o que busco. Sempre em risco, mas assim tenho o gozo pleno das coisas, dos dias, das pessoas. Sugo a energia vital de tudo que me cerca e me faço sempre jovem, capaz de admirar o meu entorno com olhos pouco dissimulados e cheios de estranhamento. No limite de mim, do mundo. A velocidade supersônica de minhas pernas e de tudo que corre pelas minhas veias me fazem ser invisível e é certo que voar fica bem mais fácil assim. Mas no momento que o chão foge de mim levando a possibilidade dos meus amores, amputam-se meus membros e minha mente. Desacelero. Paro. Então rio. E o tempo passa.

domingo, junho 11, 2006

sobre o tempo e as pessoas

Não confundir a existência com o sonho. Tornar tudo relativo. Outra noite dessas, sentado num jardim, tinha a lua bem grande clara e o mar fazendo um barulho singelo, calmo; nem ao mesmo ventava. Uma pintura real. Não estava sozinho. As conversas pareciam nem fazer falta, realmente não faziam! Nossas presenças eram diminutas ante a grandeza da natureza. Engraçado como este fato da constatação de nossa pequenez só se dá quando crescemos, enxergamos nossas limitações e nossos obstáculos, que se tornam bem mais evidentes. Mesmo quando estamos rodeados de vida, de vida humana mesmo, estamos sós. Existência egoísta. A essência humana é egoísta. Mesmo aqueles que se propõem em gestos caridosos e desinteressados buscam uma espécie de indulto à salvação, mesmo que inconscientemente. Melhor mesmo era quando se tinha a fantasia e tudo se misturava à realidade dos dias. Não sei exatamente definir quando tudo isto se perde e passamos a ser maldosos e escrupulosos com nossos devaneios. Não sei quando nos tornamos tristes.

Então, zás, num segundo, vejo tudo tão imenso, excitante e aterrorizante com meus olhos de criança. As brincadeiras, as malcriações, as impetuosas atitudes impensadas de quem apenas sonha e vive ao mesmo tempo. Gozado como às vezes desvencilhamos o passado de nossos dias e esquecemos que ainda somos aquilo que éramos. Esquecemos que ainda podemos ter os dias coloridos e mágicos. Correr de braços abertos sem medo de olhares alheios, abraçar o amigo sem a maldade hipócrita de nossos dias, ter um amor inocente, amar de longe, andar de mãos dadas, tomar um sorvete na esquina e fazer dos gestos mais simples o verdadeiro sentido da vida. Fico triste ao ver pessoas mesquinhas que não conseguem ao menos rir de seus erros, de suas falhas. Não conseguem confiar inocentemente nem tampouco dar importância para quem está do lado. A verdade é que somos criados na perspectiva da solidão. Nunca fale com estranhos! E eles esquecem que as pessoas estranhas podem ser legais também. Chegamos no instante em que tudo é estranho e deixamos então de experimentar, de arriscar, de transpor e superar nossos limites. Daí então somos adultos. Adúlteros. Traímos nossos mais puros desejos, nossos sentimentos.

Bom mesmo era quando fechávamos os olhos bem apertados e fazíamos um pedido ao cair uma estrela do céu. Quase nunca se realizava, mas nunca perdíamos a esperança. Pedíamos sempre. E esta ausência do passado não se pode tornar relativa. Uns chamam de saudosismo, eu chamo de felicidade.

quinta-feira, junho 08, 2006

queria ser poeta...

Para quem é eterno.

Queria ser poeta. Sentir as coisas somente no papel. Fugir de minhas mãos os medos. Um canal somente. Absorveria as bondades (e as maldades) do mundo, sugando pelos meus lábios as ânsias, os desejos e, bem longe do meu coração, levaria todos os sentimentos, puros ou não, verdadeiros ou não, até correrem de meus dedos, tomarem as folhas, os olhos, as pessoas, o mundo. Queria ser passional em meus livros e apenas neles permanecer a paixão, quente, vulcânica. Assim, ao fechar a capa fria, tudo findaria. Seria sempre novo, talvez inatingível, estaria inteiro tal como nasci. Profetizar o amor e nunca de fato amar. Amar por vezes dói. Melhor evitar. Cantaria um amor bonito, simples, ou tentaria fazer do amor uma coisa simples, fato que não procede. Mas seria um papel, então pode. Não queria ser bonito nem feio, queria apenas ser um nome. Não importaria mesmo como eu de fato parecesse. Minhas letras sim, estas eu as queria alvas, claras, firmes, pulsáteis, eu inteiro, nu e puro.

Queria ser poeta. Capaz de abrir os braços, sentir o vento em meu corpo e nesta sensação descrever o paraíso. Liberdade seria pouco. Estar sempre além, acima de tudo, comendo nuvens, beijando o mar, enfrentando a grandeza da escuridão feito vaga-lume. Sensibilizar e nunca ser sensível. Um ator nada autobiográfico. Minha vida de fato não seria tão alegórica e intensa como meu verbo, nem tampouco saberia cantar a alegria com minha tristeza. Poemas, uma máscara bastante conveniente. Um esconderijo bonito. Uma fuga nobre. Seria eu.

Ser rei, construir castelos apesar de minha ruína. Saborear todos os prazeres e nunca perder o rumo, como de fato perco, como de fato perdi. E quando a dor que ora invade o meu peito tomasse vida e rompesse num grito ligeiro, um desatino tiro certeiro estraçalharia o ardor e o desejo. Com sangue afogaria meus restos inteiros. No fim de tudo, porém, quando o mal nefasto morto estivesse, meus olhos brilhariam, não com lágrimas que neste instante me acolhem no aconchego desesperado da solidão. Ao invés disto, seriam lampejos ofuscantes da retina que mira o tempo e na sua infinitude encerra meus versos em poeira que o vento leva, toma espaços, impregna a alma e deixa apenas saudade.

terça-feira, junho 06, 2006

ele, eterno

Eu guardo muita mágoa em mim, dizia. Ser triste é questão de responsabilidade. Ninguém que seja alheio ao mundo e a si próprio consegue alcançar a tristeza. No máximo, a medíocre passividade das coisas, das pessoas. 

Seus olhos traziam o peso de várias décadas de vida, mas, ao mesmo tempo, a leveza da face ainda pueril fazia dele uma esfinge. Às vezes, perdido em suas divagações, a fumaça de seu cigarro me toldava os olhos. Nada era claro. Nunca fora. Sequer para ele. As coisas não tinham sido fáceis até então. "Todo fardo é pesado e ninguém carrega mais do que pode". Puro clichê. Bordão de quem aceita submisso a vida, as atrocidades. Isso não era ele. Queria ser bem mais: mudar o mundo, quem sabe, ser um anarquista... Coisa de adolescente, de espírito desbravador, coisa de menino, da vida mesmo. Queria ser gênio e não queria conhecer a morte tão cedo (como imaginava acontecer com as mentes brilhantes). Queria ser exceção. Até ali, não sei dizer se ele queria voar ou dominar o mundo, mas decerto conhecê-lo por inteiro. Não era perfeito e nem queria ser. Pessoas devem ter defeitos, limitações, medos. O seu era ser passional. Não aceitava a ideia. Não aceita. Não quer. Paixão devora, afoga, mata. Isso não! Paixão prende e ser livre sempre foi sua sina.

Ele sequer notava, mas na verdade era cheio de paixão. Quando sonhava seu futuro e sorria a beira do mar, ele era paixão. Quando ouvia sua banda preferida e fazia amor comigo ao som da música mais bonita, ele era paixão. Quando saía pela madrugada, nas ruas desertas, sob a chuva escassa e beijava à luz do poste da pracinha, ele era pura paixão. Apenas não notara.

Mais um cigarro. A noite estava mais fria que o habitual. Ventava. Fechava os olhos e ninguém podia lhe tirar o prazer de sentir a brisa nos cabelos. Gostava deles compridos. Aliás, tudo que lhe tolhesse a possibilidade de fuga era tortura, até mesmo a cadeira dum salão de beleza. Melhor mantê-los compridos mesmo, argumentava. A calvície ao menos estaria distante. Não que fosse vaidoso, gostava apenas de como estava e de como era. Num instante, envelhecer lhe parecia apavorador: em sua mente, duas décadas passariam na velocidade de dois meses. Noutro, contrapunha tudo isto. Mais velho, poderia morar à beira do mar e certamente já saberia surfar, pensava. Ah, o mar, queria dormir e acordar com ele, namorar as ondas... Ficava excitado só de pensar. Seu rosto mudava. Aquilo enchia de felicidade qualquer um que estivesse perto. Era puro. Apesar das marcas do mundo, conseguia ter mente leve, ingênua. Crianças são assim. Elas vivem intensamente, são destemidas. Era igual. A diferença era a barba, a voz rouca, as mágoas. Mas nada era maior que o desejo de ser sempre intenso. Era fogo. Queria arder sempre. O resto que fosse fugaz. Ele, eterno.