Tenho tanta saudade de mim...

terça-feira, junho 06, 2006

ele, eterno

Eu guardo muita mágoa em mim, dizia. Ser triste é questão de responsabilidade. Ninguém que seja alheio ao mundo e a si próprio consegue alcançar a tristeza. No máximo, a medíocre passividade das coisas, das pessoas. 

Seus olhos traziam o peso de várias décadas de vida, mas, ao mesmo tempo, a leveza da face ainda pueril fazia dele uma esfinge. Às vezes, perdido em suas divagações, a fumaça de seu cigarro me toldava os olhos. Nada era claro. Nunca fora. Sequer para ele. As coisas não tinham sido fáceis até então. "Todo fardo é pesado e ninguém carrega mais do que pode". Puro clichê. Bordão de quem aceita submisso a vida, as atrocidades. Isso não era ele. Queria ser bem mais: mudar o mundo, quem sabe, ser um anarquista... Coisa de adolescente, de espírito desbravador, coisa de menino, da vida mesmo. Queria ser gênio e não queria conhecer a morte tão cedo (como imaginava acontecer com as mentes brilhantes). Queria ser exceção. Até ali, não sei dizer se ele queria voar ou dominar o mundo, mas decerto conhecê-lo por inteiro. Não era perfeito e nem queria ser. Pessoas devem ter defeitos, limitações, medos. O seu era ser passional. Não aceitava a ideia. Não aceita. Não quer. Paixão devora, afoga, mata. Isso não! Paixão prende e ser livre sempre foi sua sina.

Ele sequer notava, mas na verdade era cheio de paixão. Quando sonhava seu futuro e sorria a beira do mar, ele era paixão. Quando ouvia sua banda preferida e fazia amor comigo ao som da música mais bonita, ele era paixão. Quando saía pela madrugada, nas ruas desertas, sob a chuva escassa e beijava à luz do poste da pracinha, ele era pura paixão. Apenas não notara.

Mais um cigarro. A noite estava mais fria que o habitual. Ventava. Fechava os olhos e ninguém podia lhe tirar o prazer de sentir a brisa nos cabelos. Gostava deles compridos. Aliás, tudo que lhe tolhesse a possibilidade de fuga era tortura, até mesmo a cadeira dum salão de beleza. Melhor mantê-los compridos mesmo, argumentava. A calvície ao menos estaria distante. Não que fosse vaidoso, gostava apenas de como estava e de como era. Num instante, envelhecer lhe parecia apavorador: em sua mente, duas décadas passariam na velocidade de dois meses. Noutro, contrapunha tudo isto. Mais velho, poderia morar à beira do mar e certamente já saberia surfar, pensava. Ah, o mar, queria dormir e acordar com ele, namorar as ondas... Ficava excitado só de pensar. Seu rosto mudava. Aquilo enchia de felicidade qualquer um que estivesse perto. Era puro. Apesar das marcas do mundo, conseguia ter mente leve, ingênua. Crianças são assim. Elas vivem intensamente, são destemidas. Era igual. A diferença era a barba, a voz rouca, as mágoas. Mas nada era maior que o desejo de ser sempre intenso. Era fogo. Queria arder sempre. O resto que fosse fugaz. Ele, eterno.

3 comentários:

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

cara, sem palavras!

Anônimo disse...

Estou apaixonado por você, pela sua sensibilidade e maneira intensa de escrever.
Parabéns!