Tenho tanta saudade de mim...

segunda-feira, março 13, 2006

cantus a obitus

A música tocava uma tristeza tão grande e tão minha. Era noite e as luzes da cidade ofuscavam o brilho da lua tão lua naquela brisa fria e calma; e meus olhos a repousar sobre aquela paisagem da janela de meu imenso quarto, grande como o que se sente e não se sabe explicar, grande como toda uma existência que, ao fim, tampouco sabe de tudo que passou, grande como a extensão de meus pensamentos tão altos como aquela lua. Ah, que bela, mais bela que sempre, mais perto que nunca, mais quente e mais prata e mais lua.

Pensei numa cena que combinasse com todo o cenário místico e sombrio, então o peito encheu do ar, pulei da janela, voei, morri.

Muito simples, sublime, e não quero ser leve ou macio. Preciso ser fatal e cruel, agressivo e malfeito, unha encravando carne, dente lacerando pele, olhos vermelhos em ira! Quero meus pulsos jorrando sangue vermelho, rútilo, vivo, eu puro... o punhal ao lado. Pronto, tudo estaria acabado, meu fim tão intenso como sempre fui, meu momento e só meu, minha morte, tão morte de mim, tão feroz e sofrida, sofrimento doído tal fome que engole famintos, desespero que afoga aflitos. É a foice e o cutelo, meu pescoço seria norte e meu corpo perdendo-se no espaço, em pedaços inteiros tudo em mim se desmontaria, meticulosamente, cirurgicamente, tudo muito bem pensado. Meu coração, e chegaria sua vez, devorado pelos meus algozes, pela minha existência algoz e nada me restaria senão a memória dum passado e o infinito que agora seria. Não me caberia mais sangue ou carne, nem dor ou sofrimento, deixo de herança aos que ficam e que por certo haveriam de zelar meus resquícios e meus olhos cinza.

Covardia morrer assim, deixar tudo de mim, fugir enfim.

Mas a lua... a música... a brisa... o gozo... o delírio... Ah, bom mesmo morrer todo dia e todo dia...