Tenho tanta saudade de mim...

segunda-feira, junho 01, 2020

a brutalidade não merece título

nem branco
ou amarelo
vermelho (cubano)
é do humano
a pele que pesa
séculos e séculos
a mazela
fria
da economia
feudal

é preta!

nem branco
vemelho
cinza, espelho
embaçado?
metais
pesados
a cana, o  cano
da pistola
engasgado

vermelho, um tijolo
branco soldado
preto culpado
ecoa o refrão:
- Hey, people, leave those kids alone!
Pink ou George
flores ou Floyds
mortos
no chão

quinta-feira, maio 14, 2020

five o'clock

sob criteriosas mãos, os elementos
alquímicos, farináceos sentimentos
umedecem espessos
como a grossa nuvem
que embaça
a paisagem.

ali, homens, mulheres, os pequenos
todos são sedentos e silêncio.
a espreitar pelas frestas da vida
repousam o olhar primeiro
como o encontro do inverossímil.
narinas atentas, percebem?
ela agora nos força a felicidade
com notas de laranja e canela
e não há quem resista
atravessa involuntário a goela
chega no interstício
da alma do poeta.

salvemos o mundo
revolucionemos a Terra
como aqueles dedos cautos
generosos, sem dolo
amaciemos a vida
e assemos, à tarde, bolo

o menino e o mar

há de se emergir
ir ao alto
tomar longo hausto
destravar o claustro
o cinza
banir

há de se fugir
despir-se de qualquer manto
desembaçar o vidro
do escafandro
as pupilas
de todo ser.

há de se calar
ouvir o canto
(ondas de hipocampo)
menino casto
qu’inda mora
nas revôltas
brumas
do (a)mar

o assassinato natalino

primeiro, davam-lhe a aguardente
hauria-a devotado
tombava pois no terreiro
morria decapitado
ferviam água em caldeiras
ateavam-na o corpo flácido
arrancavam-lhe do couro tudo
ardia no forno, tostado
o sangue, reservaram antes
(quiçá engrossar um caldo)
olhos assassinos à espreita
daquele dado em sacrifício
de mau grado
depois, viva!
começa a festa cristã:
sua estrela maior morre bêbada
de véspera
e pagã

lira singela, Lia

à ciranda da vida que tornou nosso encontro possível.
à Lia.

seus olhos de um século
me sorriem meninos!
digo “a mim” num clamor narcísico
pois ela ri ao mundo igual

é que me toca a alma
com a calma duma brisa
e a fúria dum vendaval

e me tira os pés do chão
(ainda há chão?)
nada mais me prende,
sou liberto
encontro lá: paulos, teresas, gilbertos
e numa ciranda bonita
de cantigas puras
e duras,
nascida da dor
do belo
giramos, giramos, giramos...

entre lágrimas, a alegria
florescida nos lábios de Lia

sexta-feira, abril 10, 2020

seduzir-te

vem
agora te deita
vou sugar teus mamilos
jorrar deles teu veneno
sei que dali me condenas
me vicias
e me intrigas

vou gastar toda a saliva
que das palavras recuso
nas tuas curvas acho melhor uso
penugem eriçada
teu ventre cafuzo
estepe ocre
pele parda
tal como a maioria se autodeclara
no IBGE

envolvo tuas carnes com a língua e lubrifico teus orifícios
especialmente eles
os ouvidos
roubo agora um gemido
retesas a nuca no travesseiro
agora! este é o momento
e em ti me penetro inteiro
violo o hímen teus tímpanos
pra habitar no gozo
do teu pensamento.

sábado, março 21, 2020

viagens à nárnia

abro os braços-condor
do passado do agora
com dor, abro os braços
sem ais
os termais
condor
voo mais
as penas
do mundo sinto
apenas
com dor
fecho os olhos
as películas da retina
o bico que criva o ar
rapina
minha sina
seguir abismos
com dor
condor
movo, maestro dos céus
sinto
vento pulsar tormento
é que rasgo montanhas
sedento
de lonjuras de alturas de mim
condor
sem dor
senhor
de meu fim

não mais o gozo

Não quero teu gozo de pílula alucinógena
no segundo mais-que-perfeito
de ais
finais
não!
Quero o meio
a labuta
a haste viril e dura
o suor os pelos e a pele
                               bruta
anda, finca o teu pendão
neste orifício tímido inculto.

Não! Não quero revirar os olhos:
dura segundos!
Não vale o ódio.
Muito mais a noite inteira
sua pupila acesa
meus poros desvirginados
                                   gota
                                   espessa.
Dá-me o caminho
não a vereda
grandes sertões caatingas
rompe o mato com tua foice
                                      certeira
devasta meus latifúndios
e deixa que clamem pelo greenpeace
ou satélites russos
não há hora
segura agora
            meus pulsos
e fode
           mete forte
para o tempo!
vai fundo
e se atrasa pra sempre
no meu mundo.