Tenho tanta saudade de mim...

domingo, dezembro 29, 2013

amor torto


Na casa verde de canto
Mora uma mulher manca
Desfila torta na sala
Hostil, as portas espanca
Além de tudo é feia
Dum jeito que até o Diabo se espanta.

          Na mesma casa de canto
          Vive um senhor apessoado
          Um santo, pobre coitado
          Ama a manca, bicho acuado
          Cobre-lhe de jóias, mimos, rendados
          E decerto d'alma advém seu encantamento.

O casal peculiar, excêntrico
Descendo a rua em traçado zonzo
Ele tonto, ela com ranço
levando-a nos braços feito asno
traça sua história
que finda no tempo
E nem filhos fica de testamento
Senão a lição que o amor é cego
e se alia quiçá a um jumento.

o voyeur


No quarto pelas paredes
                                              sobe aranha
Seus pelos fartos e negros
                                       ouriça e assanha
Esfrega-se na cara do macho
                                          e ela o arranha
Foge dos dedos ágeis compridos
                                        então se acanha
No meio de pernas roliças
                                  se esconde tacanha
Fica a espreita, vigia
                             e o membro abocanha
E se treme louca no gozo maior
                             com a vara que apanha
Para enfim morrer nos braços doutro
                              que igual prazer ganha.

domingo, dezembro 15, 2013

qual aroma de jasmin

Homenagem aos amigos de mim distante.

No caminho
lembro o menino de mim:
do tempo de horas largas,
da inocência das palavras,
do perfume da pureza,
do azul das hortênsias,
de minha vó e seu jardim.

No tempo de mim pequeno
a pressa era senhora
tudo ligeiro, tudo agora!
Nada de pausa, nada de não
o bom era o demais, o exagerado
sem limites, sequer o chão.

Só que neste caminho
que sigo sem norte
sem tempo,
ou mesmo sorte
encontro o mais escuro
o mais secreto absurdo
uma real constatação:
neste mundo sem piedade
somente o amor, a amizade
o abraço de um irmão
conseguem afagar este peito
que há tempos escondera a saudade
daquele menino sem idade
hoje trajado de solidão.

Este caminho duro de pedras
levou o mais precioso de mim:
as horas já não são largas,
a pressa não é mais um fim.
Aprendi a saborear este mesmo tempo
que do futuro, antes certo,
hoje sei que é tão incerto
que não é longe
e que tudo perece enfim.
Apenas o amor permanece
Este sim dura, e cura
e traz consigo similar perfume de infância
qual aroma de jasmim.

domingo, outubro 27, 2013

A beleza de meu sertão

Homenagem a meu pai e avô, poetas do sertão.

Pra quê tanto sol?
Tanta luz, tanta secura?
Tanto desassossego, meu Deus!
tanta sepultura:
ossadas de bicho,
roça seca, queimada
nada de milho, só carrapicho,
e a terra rachada!

Pra quê diacho tanta novena?
Tanta reza, tanta jura, oferenda?
Terços nos dedos das comadres
correndo em contas ligeiro
à luz dum fogareiro
com o braseiro vivo que arde
atiçado no vento seco que grita
entre frestas, agita em alarde.

Pra quê tanta macheza?
Tanta valentia, siô,
tanta brabeza?
Tanto homem de coragem
sem rumo ou sorte,
só suor e estiagem!
Perdidos no deserto do mundo
na sede indomada do chão
entre grotas secas e fundas
do riacho só de nome
e de água não.

Este é o meu Nordeste
(terra de sina triste)
que a voz dos antigos persiste:
do forró, a sanfona
do cangaço, ponta de facão.
Eita sertão-sem-dono:
mesmo escondido e agreste
só um cabra-da-peste
aguenta, não esmorece,
nem se amofina ou esquece
que tudo aquilo bate no coração!

Judiada, sofrida e antiga,
esta Mãe-Terra - velha parida,
inda se enfeita em vestido surrado de chita,
revelando seu céu fogo carmim.
Que em meus versos singular beleza insiste,
e resiste,
e de jeito algum ou maneira
se acaba e tem fim.

domingo, setembro 15, 2013

A minha vó, com carinho.

Era um arco-íris. Nas tardes com sol forte ainda patente em raios vívidos penetrantes, no meio de hortênsias, roseiras e palmeiras,  parcamente sombreadas pela caramboleira do quintal, choviam finas gotas, cristais de luz colorida, que brotavam das suas mãos, formando uma cascata leve e delicada que iluminou toda a minha infância. Fecho os olhos e ainda persistem concretas todas aquelas sensações: o cheiro da terra, o som da água escorrendo dos jarros para o chão, o amarelo das carambolas que pendiam nos galhos da velha árvore... E ainda a tenho! Ela de vestido floral, de cheirinho de vó, com óculos de vó, velhinha, regando seu jardim.

Naquelas tardes quentes, entre refrescos de groselha e biscoitos de nata, sentia o que só agora reconheço. Sentir é natural, entender é que demanda tempo, exige distanciamento, perdas ou até mesmo sofrimento. Agora, apesar da compreensão clara, o que falta em definições, em palavras exatas, explode em sentidos. Sentidos não obscuros nem irregulares, ao contrário, claros, sólidos e redundantes. Diria até que sóbrios (e nego que seja por escassez de intensidade! É que não são mais incautos, nem levianos como talvez outrora). O que falta é exclusivamente a precisão da fala, é o que não posso mais fisicamente demonstrar, como um abraço, é o que sei que só tenho dentro de mim e pronto, e que ali permanecerá e repousará pela eternidade de meus dias. Saudade é pouco pra resumir tudo.


O que eu queria mesmo era um poema – doce ou cruel, mas queria em versos cantar aquela velhinha. Não consegui... Ela era um poema vivo e arte não se repete. 

quarta-feira, agosto 28, 2013

Lucca, menino sem juízo

Vai menino sem juízo
corre pela rua
joga bola e pião
empina pipa, cai no chão.

A vida inteira é sua,
Menino sapeca!
Não deixe cair a peteca
empine mais pipa
caia mais no chão.
Pois na vida não há mais que sirva
senão a beleza de sua rica
infância – doce sensação.

Esta vida inteira é sua,
menino sapeca.
Vida sem limite, maluca,
não foge, nem tem medo
né Lucca?

Vai menino danado
Deste titio é mais que amado
que da boca chama seu nome
ao ouvi-lo, não breca,
corre e some...

parto

Naquela vermelha vagina
entre secreções, secundinas
seus polutos odores
além de merdas e outros horrores
gemidos incautos e mais dores
cintila enfim nova retina
dá-se à luz, Deus! uma menina.

sábado, agosto 24, 2013

teu refém

Escuro
teu nome
mais que escuro
guardado comigo
em lugar quieto
morno cinza seguro.
Donde o que vem toca
o que provoca
a sede de mundo.
Escuro e profundo
mais que profundo
mais que escuro
mais que seguro,
teu nome
levo aqui
neste coração imundo.
Donde tudo me tem
E bate
E bate
Embate
que ora liberta
ora retém.
Pois é mais que escuro
O lugar sem o tu
É duro!
Confesso.
De ti, sou cativo sem resgate
sou noite sem Rua
nem Lua, meu bem.
Sou tua carne nua
macia febril crua
e teu sangue também!
Sou teu macho
teu homem
teu menino
teu refém!

domingo, agosto 18, 2013

Porteiro de bordel

Pela iscada
   desce toda madama
       vem com crasse, com fama
           do jeitim qui si diz sê.
                Mas'a muié num tem chama
                      com'essa ôta nêga na cama
                           qui mi esfrega as'aranha
                                da bocetinha bunita de morrê!
                                   
                                     Mar'na iscada são tudo igual
                                          um'as de saia e brusinha
                                               ôtas de short ô tanguinha
                                                     tudo mi assanhanu o pau.
                                                         Êta iscada sem dona!
                                                             Todas qui desce é Madonna,
                                                                   todas qui vem merece si vê!

Como o amor deve ser

Eu te quero assim
Não de outra forma
Senão assim,
             Não com outros nomes
             Máscaras
             E codinomes,
             Apenas assim.
Não com outros desejos
Outras taras
Outro sexo
Outras caras
Apenas assim.
              Não com outros pelos
              Outras vestes
              Outros devaneios
              Somente teu cheiro
              De suor e trabalho
              Exatamente assim.
Não quero sexo acrobático
Beijos de cinema
Altar, juiz, velas, dilemas
Não quero amor burocrático
               Quero puro
               Quero duro
               Quero como é
               Como se sente não ter fim
Quero teu olhar do meio da noite
Que tua distância me seja açoite
Teu abraço, a imensidão da marés...
               Eu te quero, meu amor!
               Exatamente assim
               Do jeito que tu és.

quinta-feira, agosto 15, 2013

Línguas, gozos e tu



Sou tua língua:
úmida
puta
sedenta
ferina
pornô.

Sou tua língua
Vou profundo,
testo gostos
de bocetas
e doutros orifícios
cujos nomes
sem rodeios, grito
são eles
peludos ou lisos
tímidos, vividos:
os pulsáteis cus!

Sou tua língua
Falo amor eterno
e roubo meu inferno
na boca que não é tua
a saliva do mundo
imunda
que engasga
como esperma
na garganta morna e funda
o medo de te perder.

Será poesia?



Será poesia?
Que nasce sem rima
segue outro rumo
levando em parte
o inconstante
o vazio
aqui
em mim?

Será poesia?
Aquilo que dói
que é feio
atroz?
Surge num instante
levando em parte
o inconstante
o vazio
aqui
em mim?

Será mesmo poesia?
O que não tem lógica
E grita
E corre
nem se vira,
ou se despede
Leva parte de mim
Inconstante
E permanece
Vazio
Aqui
Em mim?

Poesia ingrata!
Nasce
Explode, invade
E depois
Nada?

Se é assim,
não quero mais ser poeta!