Tenho tanta saudade de mim...

quinta-feira, maio 14, 2020

five o'clock

sob criteriosas mãos, os elementos
alquímicos, farináceos sentimentos
umedecem espessos
como a grossa nuvem
que embaça
a paisagem.

ali, homens, mulheres, os pequenos
todos são sedentos e silêncio.
a espreitar pelas frestas da vida
repousam o olhar primeiro
como o encontro do inverossímil.
narinas atentas, percebem?
ela agora nos força a felicidade
com notas de laranja e canela
e não há quem resista
atravessa involuntário a goela
chega no interstício
da alma do poeta.

salvemos o mundo
revolucionemos a Terra
como aqueles dedos cautos
generosos, sem dolo
amaciemos a vida
e assemos, à tarde, bolo

o menino e o mar

há de se emergir
ir ao alto
tomar longo hausto
destravar o claustro
o cinza
banir

há de se fugir
despir-se de qualquer manto
desembaçar o vidro
do escafandro
as pupilas
de todo ser.

há de se calar
ouvir o canto
(ondas de hipocampo)
menino casto
qu’inda mora
nas revôltas
brumas
do (a)mar

o assassinato natalino

primeiro, davam-lhe a aguardente
hauria-a devotado
tombava pois no terreiro
morria decapitado
ferviam água em caldeiras
ateavam-na o corpo flácido
arrancavam-lhe do couro tudo
ardia no forno, tostado
o sangue, reservaram antes
(quiçá engrossar um caldo)
olhos assassinos à espreita
daquele dado em sacrifício
de mau grado
depois, viva!
começa a festa cristã:
sua estrela maior morre bêbada
de véspera
e pagã

lira singela, Lia

à ciranda da vida que tornou nosso encontro possível.
à Lia.

seus olhos de um século
me sorriem meninos!
digo “a mim” num clamor narcísico
pois ela ri ao mundo igual

é que me toca a alma
com a calma duma brisa
e a fúria dum vendaval

e me tira os pés do chão
(ainda há chão?)
nada mais me prende,
sou liberto
encontro lá: paulos, teresas, gilbertos
e numa ciranda bonita
de cantigas puras
e duras,
nascida da dor
do belo
giramos, giramos, giramos...

entre lágrimas, a alegria
florescida nos lábios de Lia