Tenho tanta saudade de mim...

quarta-feira, novembro 07, 2007

ele o odiava

Ele o odiava. É que não conseguia perdoar facilmente sequer seus erros... tampouco os alheios. Há dias sentia-se atormentado com a idéia da traição, há dias habitava em si uma fúria maior que a habitual. Não que já não tivesse qualquer dúvida, é que simplesmente não era dado a intuições, a sensações inexplicáveis, coisas de gente de pouco racional. Sentimentos eram para si apenas a expressão corpórea de demandas cerebrais. Amar era unir rotinas, hábitos, inclinações. A desconstrução desta forma geométrica bem acabada na qual se pautara suas relações e seus relacionamentos era a manifestação de sua ira. Tal como agora. Amar e odiar, tão próximos, que somente naquela noite, com aqueles olhos marejados, o mar ao lado, o vento no rosto e o sabor de sua língua, descobrira que de fato o odiava.

Foi um encontro casual. Apenas troca de olhares. Um, verde, outro, sombrio. Palavras, dispensáveis. Logo roçaram os narizes e trocaram saliva e secreções. E então estavam juntos pela eternidade de suas vontades. Suas vozes foram ouvidas uma semana depois, não que fosse isto uma arbitrariedade para permanecerem unidos, foi questão de curiosidade apenas, afinal suas mãos já falavam por si e seus dedos já aprendiam a anatomia do outro enquanto os olhos se perdiam em gozos, estrelas e silêncio.

Então a notícia. Veio por telefone, por uma mensagem e uma bomba-relógio. Explodira fraco. Morre-se pouco por estes tempos, não há tempo suficiente para mortes verdadeiras. Mas digamos que ele tenha morrido um pouquinho. Tão frio e sombrio quanto seus olhos, depois, pegara a prova ilibada do adultério, entregou ao impostor e lhe deu a sentença da mudez, da surdez e da insensatez. Foi-se... Três semanas depois, sem qualquer razão, foram a praia. Era noite, ventava muito, beijaram-se, nunca mais se viram.