Tenho tanta saudade de mim...

sexta-feira, março 30, 2018

As miudezas e os encurtamentos de ruas

A rua ficou menor.
As pedras são as mesmas,
os muros,
seus musgos...
O musgo que sempre fora invisível
até o momento em que ouvi numa aula de biologia
que ali haveria esporófitos
e anterídios
nomes tão invisíveis quanto os seus donos.
Duvidei.
Voltei ao quintal de minha avó,
aumentei o olhar e os vi pequenos
e descobri que de perto há certas coisas incríveis:
o mundo daqueles espécimes minúsculos
com suas coifas e esporos
povoam muros
e envelhecem o mundo visível dos homens.

Com este mesmo olhar apurado de miudezas,
dei-me conta da rua que se encurta.
Não que houvera um novo prefeito
e seus urbanismos de cortar casas
com máquinas tão enormemente forjadas a partir os tais muros
como espátula que desfere sobre a pasta americana dos bolos seu golpe de misericórdia.
Nem mesmo os abalos sísmicos
ou eventos cataclísmicos, não!
Nada se moveu.
A rua que ficara pequena.

Nada poderia ser mais poético
que uma rua que, ao seu final, ajoelha-se à margem dum rio
entrega seus vestígios para a eternidade do oceano
mesmo que incerto
mesmo que a distância de talvez 752 quilômetros (ou menos)
por suas curvas e quedas e remansos
a rua tem se deixado levar
e se liquefazer, fugindo, como a mãe que corre para perto dos filhos
que ao longo da vida partem
e levam
consigo
um pedaço de rua.

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