Ao poeta Ferreira Gullar que certo dia me emudeceu.
Ele me deixou sem voz
sem rumo.
Sempre esteve ali,
poesia latente, insone.
Eu que na correria
nunca vira.
Eu que na correria que me consome
Nunca deixei gritar sua voz
sem pudor
dilatada e infame
Soar o desejo do mundo,
desejo do abismo,
do caos e da fome.
Romper ligeiro o que me espanta
e afronta.
Extraindo o fel
o cerne
o sangue
o gozo
o sumo.
Mas agora
mudo
sozinho
sem rumo,
sumo.
Eu que na correria que me consome,
Correria do trabalho
mal pago
insalubre
pobre
precoce
Dos dias que findam sem lógica sem ação ou propósito
Ou dos casos mal amados
dos corpos nus ali debruçados
que com álcool embriagam
depois fogem
malditos, torpes
nunca percebi
sua existência atroz, louca e viciada.
Foi preciso um bofete,
o acaso pra emudecer meu mundo
e ouvir com calma aquele velho que veio do norte
enrugado
feio
sem sorte
Falando duma poesia impura
suja
sem dono.
Poesia atemporal
que nasce agora
ou há 30 anos
numa fotografia qualquer
empoeirada.
É que nunca percebi
(com a correria que me consome e que só agora para)
que o velho de história triste
olhar medonho
que tirou minhas pernas, meu ar
seu velho enfadonho!
é aquele infeliz
de crina gris
de dentes amarelos
igual laranja podre
que tem sua poesia úmida
cheia de ruídos
de secreções
e odores
e quando criança
filho de dona Alzira
da denúncia
do desassossego
dos desamores
corria seminu
naquela ilha de pretos velhos
serpentes
mitos
minas
tambores.
Seu nome
pobre insano
sequer me atrevo.
É que ainda reluto
asfíxico
mudo
díssono
sôfrego
com uma dor tremenda
parida
doente
cheia de covardia.
Mas como não posso
deixar que esta agonia
minha vista embace
saio correndo pela rua
bambo
sem juízo
cego
sem disfarce,
e,
temendo gritar
e como tu, infeliz,
ganhar o choro
a esquizofrenia,
beijo o asfalto e uno minha saliva ao teu cuspe
repugnante enlace,
desespero faminto
meu corpo em êxtase
quase um enfarte.
Ira corroendo terra
noite estuprando dia:
Eu puro!
É que explode
em mim
poesia.
Um comentário:
Genial! Parabéns! Sammyra
Postar um comentário