Tenho tanta saudade de mim...

domingo, janeiro 23, 2011

grand finale

Blém-blém-blémbléim-blém. A igreja... Sete horas.

A cidade amanheceu vazia, cheia de ressaca. O sol da manhã ardia o asfalto coberto de tiras de papéis, latas e secreções...


Dia anterior


- Acode meu povo, repara que é briga!
- O quê? Quem foi?
- O Chico caiu de paulada no Manel ali no meio da praça, minha gente, corre pra apartar!
- Valei-me, vambora ligeiro que rebuliço com Chico é morte certa!


Minutos mais cedo


A praça lotada. Não via tanto furdunço assim fazia tempos. Era gente, suor, calor, cerveja quente e uma música qualquer que naquelas alturas ninguém sequer tinha noção do que se tratava, apenas passavam, pulavam, sujavam-se e faziam amizades sinceras de infância, tudo na espera da grande banda da noite – o “grand finale”.

Era carnaval, minha gente...

Desde cedo o frisson era geral. Vinha gente de toda parte: das cidades vizinhas, da capital, doutros Estados, vinha inclusive eu. Não pro carnaval, certamente; vinha porque coincidentemente tinha férias naquela ocasião e me furtava de saudade o peito. Saudade dos meus. Mas não podia deixar de compartilhar sensações e experiências no meio de todo aquele movimento. Estava sentado no banco do ônibus que vinha do aeroporto mais próximo para aquela cidadezinha e, atento, observei o diálogo.

- Eita, seu moço, ta viajando pra onde?
- Eu tô indo dar um pulo ali pra passar o carnaval.
- Mas o senhor ta indo mesmo só pra brincar o carnaval.
- Não rapaz, que é isso?! Eu não brinco carnaval! Carnaval pra mim é coisa séria!

De fato, era coisa séria por ali mesmo. Interditaram as ruas, pintaram as calçadas, encerraram cedo as lojas, até a Igreja fechou. Anunciaram que a missa do domingo fora excepcionalmente adiada. É que fica muita zoada na rua. Justificavam os fiéis já com a lata de cerveja na mão e com a cara toda suja de maisena. Sim, isso mesmo, toda suja. Carnaval ali era desse jeito: todo mundo se melava, mudava de sexo, mijava de madrugada na porta da casa dos parentes chatos e se dormia por onde dava mesmo. Noutro dia ninguém se lembrava de nada e seguiam adiante.

Foi no meio disto tudo que a banda tão esperada começou. Eram os fantásticos de não sei onde e cantavam uma coisa qualquer. O som era tão alto, tão absurdamente alto que tenho certeza que nenhuma viv’alma dava conta de entender o que era aquilo que gritavam. Mas quanto mais alto melhor, é festa afinal. Todos deveriam ficar embriagados, seja de álcool ou de labirintite mesmo. E no meio da celeuma, do empurra empurra, zás, o som ficou mudo. A sensação é a que de repente se fica oco, como se a música fosse um pesado e grosso fardo. E de fato era, só que naquelas condições ninguém chegava a qualquer refinamento filosófico.

- Calma, minha gente, é que o fio da guitarra torou*!

Foi meu juízo que “torou” naquela hora. Era demais. Peguei meu corpo e levei embora. No caminho de casa escutei um zum-zum-zum duma briga que foi parar no hospital, no necrotério e na delegacia. Mas tudo bem – diziam. Era carnaval.

Peguei no sono ligeiro, acordei sem ressaca e fui andar pela cidade na quarta-feira de cinzas...





*torar = forma não gramaticalmente correta do verbo romper, partir...

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