Tenho tanta saudade de mim...

quarta-feira, abril 07, 2010

eu, menino

No tempo de mim bem menino, na pacata cidade de meus antigos, deram-me uma missão: eu tinha de ser feliz! Claro que para quem corre pelas ruas, sítios e currais, esconde-se debaixo da ponte do rio, empina papagaio por tardes a fio e se afugenta das ralhadas e safanões da mamãe entre as barras do vestido da velhinha que mora ao lado, não haveria de ser tão difícil cumpri-la. O tempo é apenas um coadjuvante no processo do crescer, sabe-se que ele está ali sempre, aliás o corpo diz todos os dias isto, mas ninguém lhe dá seu real poder, afinal, será que na infância ele tem algum?

Não sei exatamente quando me tornei adulto, não passei por um processo gradativo, experimentando irresponsabilidades e prazeres inerentes a adolescência, não! passei direto. De menino, já fui homem. É esquisito não poder correr qual dantes, mas não me conformo fácil, sempre fui audaz, quando olho o céu noturno cheio de estrelas, fujo da rispidez dos percalços diários e me deleito infinitamente por acordar no quintal de minha casa: ali, deitado no chão mesmo, imaginando quão grande podia ser o universo... Hoje por mais do conhecimento adquirido, tudo me parece ser menor e, ainda que me esforce, nem todos os dias recordo daquela felicidade a qual estaria eu fadado a ter.

Hoje quem brinca com o tempo é aquela mesma velhinha de outrora. É certo que ela não pôde abster-se das marcas físicas de quase um século, mas foi o preço que aceitou pagar por ter a mente livre. Tão livre, que dada a ousadias, viajava milhares de quilômetros apenas com o desejo do instante, visitava amigos e parentes com a mesma rapidez que durava o seu sorriso, puro, ingênuo, afinal, ela, que também teve a infância tolhida pela precoce perda da mãe, guardara todo o seu estoque de gracejos por uma vida inteira, agora, nada mais justo que usufruí-los ininterruptamente.

Ela, que não toca o chão e voa com a facilidade de um curió, as vezes cansa de fugir de sua sina e pousa perto de nós e, ainda assim, nunca perde a ternura de cada gesto e de cada olhar incompreendido. Agora, longe do calor dos seus abraços que os anos tornaram débeis, mas sempre dispostos e afáveis, tenho medo do mundo, medo de esquecer sua voz frágil e embargada dizendo que me ama mais do que a minha compreensão, mais do que eu próprio, e me outorgando a sentença: “- Que Deus te faça feliz!”

Saudades, vovozinha.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lendo suas reminiscências, lembrei-me também de minha infância, vivida intensamente naquele mesmo (amado) torrão. A adolescência para mim foi, de modo semelhante, atípica, algo comum para quem, via de regra, tinha de ser precocemente arrancado do seio familiar em busca de ciência, como o tenro Iegóruchka, de Tchekhov, o qual, em sua inocência pueril, não compreendia plenamente a necessidade daquela violência. Naqueles idos, Casimiro de Abreu espelhava minha alma melhor que ninguém, no seu "Meus oito anos". Oh que saudades que eu tinha da aurora da minha vida... Longe dos beijos de minha mãe e minha irmã, e, por que não, também da minha vovó, meus olhos enchiam-se de lágrimas ao lê-lo. O curioso é que a vida nos força a crescer e esses sentimentos vão se tornando cada vez mais tênues, despertados vez por outra, como agora, por você!

Suas crônicas são um biscoito fino. Espero que não demore mais tanto a publicá-las...

Um abraço.