Tenho tanta saudade de mim...

sexta-feira, setembro 08, 2006

a viagem sem frito

E lá vinha a velha com seus peitos enormes. Duas melancias. Não sei como aquela pobre criatura conseguia forças pra ainda arrastar o corpo com aquelas duas montanhas adiante. Era descomunal. Tentava de todas as formas mudar o foco de minha atenção, mas era maior que minhas possibilidades. Deus, como eram grandes...

- Bom dia cumpade.

Ela insiste em me chamar de compadre. Que mania! Os filhos dela são todos mais velhos que eu... Costume do interior. Vá entender.

- Bom dia comadre, como anda?
- To indo como Deus quer, né?

Deus não haveria de estar muito contente com ela. Afinal, que sina, que sina... Quinze filhos, três mortos, um marido alcoólatra, e ainda aqueles dois despropósitos da natureza de quase cinco quilos... Ela há de ser recompensada noutro plano.

- Passei na frente de sua casinha, a senhora tá reformando. Gostei de ver...
- É cumpade, sabe como é, eu recebi um dinheirinho da morte do meu fio... Um tal seguro. Aí comecei a casa, tem duas salas, dois quartos, uma cozinha, uma salinha pros meus santos... Mas tá faltando um bocado coisa, sabe?

É sempre assim, eu pago pela minha boca... Agora tenho certeza que ela vai pedir algo. Diaxo. Mas desta eu me livro já!

- Pois é, comadre. Mas a gente vai fazendo as coisas aos pouquinhos. Devagar que a gente consegue, com a graça de Deus.

Ufa... Com a graça do teu Deus, mulher. Valei-me de ter um Deus que permita que além de sofrer todas as atrocidades do mundo ainda ter uns peitos daquela extensão? Acho que estou ficando obcecado... E o pior! Ofereceram a ela uma cirurgia plástica, mas ela não quis. Vê se pode? Quanto mais eu penso, menos entendo a cabeça desse povo. Eu hein...

- Mas comadre, a senhora tá abatida... Os olhos assustados. E esta perna?
- Ah, cumpade Zé eu nem lhe conto...

Melhor mesmo não contar. Argh! Detesto ser chamado de Zé. Mas tudo bem, um risinho amarelo sempre disfarça. Fico até com vergonha de chamar atenção frente tamanha tanta humildade daqueles olhos. Um final de novela seria menos comovente. Está bem, está bem, pode chamar de Zé sim. Vá, continua...

- Eu furei meu pé num prego, sabe... Deu uma tal de isi... isi... isipela, né isso?
- É mesmo comadre. Mas a senhora procurou médico?
- Tomei uns bióticos. Umas piulas... Tô ficando mió. Mas eu cheguei a pensar que tava pertinho d’eu fazer a viagem sem frito...

Viagem sem o quê? Estes caboclos têm umas expressões... Deveria ter dicionário. Frito até ainda vai, eu bem sei o que é, mas viajar sem frito... Af, melhor deixar quieto.

- Ah, ta certo comadre, compreendo. Um abraço pra senhora. Já vou.
- Sim cumpade, tenho tanta vontade do sinhô me dá um foto seu. Eu rezo tanto pro sinhô merecer tudo de bom, cumpade Zé. Um foto linda. Me dá?
- Eu vou providenciar, senhora. Prometo. Até logo.
- Inté siô.

Esperei um pouco antes de seguir caminho. Fiquei olhando... E lá ia a velha, manca, redimida dos pecados que por certo eram ínfimos ante tanto sofrimento talhado em seu rosto. Nunca mais vi a comadre. Sumi. Nunca mandei retrato, nem coisa alguma. Eu que pensava que ela iria me pedir mais. Pediu tão pouco e mesmo assim eu não retribuí. Ela que merecia ser feliz...
Tempos depois, voltando de férias, disseram que ela tinha feito a viagem sem frito. Compreendi tudo então. Comprei algumas flores e fui ao seu encontro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Poxa zé, fiquei com pena da véia, como é que tu faz uma coisa dessas com a bixinha?
Pqp, ela só pediu uma fotinha, e esse teu orgulho não a deu...
to triste
savin