Era um macho. Apesar da
composição genética xis-xis, dos cinco filhos, da relação monogâmica com ser um
xis-ípsilon, das regras mensais, das TPM e outras tensões que haveria de ter,
era de fato um macho!
Acordava cedo todos os dias e
logo punha sua bermurda larga, camiseta pouco cavada, sem soutien (claro) e se
entregava à rotina pesada: primeiro café, depois temperar almoço, por roupas na
máquina, assar as carnes, arrumar a mesa, fazer mais café, mais roupa, mais
louça e no final, merecidamente, uma rede.
Se fora pelo simples fato da
rotina pesada, que não é privilégio seu, afinal suas vizinhas haviam de tê-lo,
não a enquadraria nesta sinonímia de gêneros, igualando-a a um homem, exceto
pela ausência de determinado “apêndice” no entrepernas. O fato é que falava e
agia como tal. Elogiava as morenas seminuas das revistas, vangloriava-se ao
notar um belo par de seios ao andar pelas ruas, assistia telejornais a novelas,
mantinha os cabelos curtos e aparados, sentava-se e nunca cruzava as pernas,
falava de assuntos picantes (tabus para mulheres de sua década) com o ar
pilhérico dum gajo etc. Faltava-lhe apenas o nome de João.
Maria, ou João, ou Maria-João
poderia ter escolhido outra vida, mas preferiu a sua. O marido viajava muito a
trabalho, ficava assim livre de seu temperamento imperativo e, obviamente, do
seu pênis que só a procurava com intenções procriatórias. Transara pouco em sua
vida inteira. Assim melhor, pensava
ela. Achava o falo um objeto estranho, asqueroso; aquilo se era introduzido em
cavidades e orifícios úmidos, sede de eventuais corrimentos em mulheres incautas, ou senão no ânus mesmo de quem o permitisse. Credo, longe de mim isto!
Passado os anos, o esposo
aposentado, agora radicado no fundo de uma rede, chato e impotente fodia-lhe,
mas era a paciência. Maria, faz-me aquilo! Maria, faz-me isto! Maria... Vai pro diabo que te carregue!, desejava
ela. Ficara tão mais áspera com toda esta masturbação mental diária do marido
que nem parecia a mesma. Tornara-se triste.
Certo dia, vendo o telejornal do
meio dia (enquanto o marido glutão tirava sua sesta e bombardeava o quarto com
flatos), Maria assistia atentamente a uma reportagem: Mulher após 30 anos de casamento, separa-se do marido para viver com
outra mulher! Aquilo lhe soara mágico e inimaginável até então. Era quase
um sopro de libertação. Extasiada, em epifania, Maria olhou as mãos,
viu-as enrugadas: o tempo havia chegado também para si. Sua mente então calou. Depois,
como de costume, num ímpeto movimento, zás, levantou-se e desligou a televisão.
Ahhh, agora não tem mais graça. E foi
cuidar de sua vida.
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