Tenho tanta saudade de mim...

quinta-feira, março 15, 2012

a Maria-João


Era um macho. Apesar da composição genética xis-xis, dos cinco filhos, da relação monogâmica com ser um xis-ípsilon, das regras mensais, das TPM e outras tensões que haveria de ter, era de fato um macho!

Acordava cedo todos os dias e logo punha sua bermurda larga, camiseta pouco cavada, sem soutien (claro) e se entregava à rotina pesada: primeiro café, depois temperar almoço, por roupas na máquina, assar as carnes, arrumar a mesa, fazer mais café, mais roupa, mais louça e no final, merecidamente, uma rede.

Se fora pelo simples fato da rotina pesada, que não é privilégio seu, afinal suas vizinhas haviam de tê-lo, não a enquadraria nesta sinonímia de gêneros, igualando-a a um homem, exceto pela ausência de determinado “apêndice” no entrepernas. O fato é que falava e agia como tal. Elogiava as morenas seminuas das revistas, vangloriava-se ao notar um belo par de seios ao andar pelas ruas, assistia telejornais a novelas, mantinha os cabelos curtos e aparados, sentava-se e nunca cruzava as pernas, falava de assuntos picantes (tabus para mulheres de sua década) com o ar pilhérico dum gajo etc. Faltava-lhe apenas o nome de João.

Maria, ou João, ou Maria-João poderia ter escolhido outra vida, mas preferiu a sua. O marido viajava muito a trabalho, ficava assim livre de seu temperamento imperativo e, obviamente, do seu pênis que só a procurava com intenções procriatórias. Transara pouco em sua vida inteira. Assim melhor, pensava ela. Achava o falo um objeto estranho, asqueroso; aquilo se era introduzido em cavidades e orifícios úmidos, sede de eventuais corrimentos em mulheres incautas, ou senão no ânus mesmo de quem o permitisse. Credo, longe de mim isto!

Passado os anos, o esposo aposentado, agora radicado no fundo de uma rede, chato e impotente fodia-lhe, mas era a paciência. Maria, faz-me aquilo! Maria, faz-me isto! Maria... Vai pro diabo que te carregue!, desejava ela. Ficara tão mais áspera com toda esta masturbação mental diária do marido que nem parecia a mesma. Tornara-se triste.

Certo dia, vendo o telejornal do meio dia (enquanto o marido glutão tirava sua sesta e bombardeava o quarto com flatos), Maria assistia atentamente a uma reportagem: Mulher após 30 anos de casamento, separa-se do marido para viver com outra mulher! Aquilo lhe soara mágico e inimaginável até então. Era quase um sopro de libertação. Extasiada, em  epifania, Maria olhou as mãos, viu-as enrugadas: o tempo havia chegado também para si. Sua mente então calou. Depois, como de costume, num ímpeto movimento, zás, levantou-se e desligou a televisão. Ahhh, agora não tem mais graça. E foi cuidar de sua vida.

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