Tenho tanta saudade de mim...

domingo, maio 18, 2014

Meu Deserto

Homenagem a meu pai que me abraça à vezes menino.

Por cima da porteira velha
Se vê um casarão, outrora majestoso,
Hoje tapera...
No terreiro de chão batido e de pedra
Corria menino com bola,
Jogava-se pião e peteca.
Às sombras da barba de bode
Que vence o tempo valente
Jazem recordações que em mim
Embaçam e nublam a mente.

A fazenda triste e sozinha,
Com a casa de varanda farta
De beirais, alpendre e cozinha
Erguida nos idos de 45,
Ecoa o silêncio de velhos
Que ali cumpriam a sina
De contar estórias da era
Que vaqueirar era profissão de respeito
De homem destemido e direito
Que é sério e não fala balela
É reto e jamais erra o passo
São coisas que nunca me esqueço
Como o véi Zé Pereira e seu cangaço.

O tempo foi em parte cruel
Levou meus heróis de criança
Meu pai, minha mãe, o Itamar
Que hoje me dói na lembrança.
Às vezes os busco de novo
Indefeso, gritando socorro
Nos resquícios de suas passagens
Neste mundo que lhes foi pouco.

Aquela casa – tapera caída
Cujo passado a poeira invade
Guarda num canto escondido
As letras de um velho sem idade
Que assina Hiran Guará, meu filho
Dizendo: “Meu Deserto, que saudade”.

E marejam os olhos sofridos
Deste homem e também do menino.
Sabia que até ali fora justo
No caminho que vinha seguindo.
E cerra por fim a porteira
Deixando a velha fazenda
Leva, porém, uma nesga do tempo
(sem virar o rosto decerto)
Em que ali fora oásis,
Hoje de fato um deserto.

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