Tenho tanta saudade de mim...

segunda-feira, dezembro 12, 2016

O natal do(uns) menino(s)

o menino pobre pediu
              uma bicicleta
papai noel não veio
não há chaminé 
em casa de lata
só pobreza do pobre lá farta
tão franzino
menino
sem carta
              pediu em pensamento
na gigante noite
estrelas mortas
uma bicicleta pr'aquela lama
                                      preta
                                      preto
                        pobre franzino
           o menino pobre
       menino
sem letra
              pediu em pensamento
pra já morta
estrela
torta a boca do menino
franzino faminto
da pobreza farta
casa de lata
sem chaminé
sem noel
nem pai
nem destino.

terça-feira, dezembro 06, 2016

Sem nome

O que me impede o poema
que mo aniquila, partindo-o ao meio
é aquilo que vem sorrateiro
da esquina das páginas
à sombra da pena
na agonia duma e outra palavra:
o inexplicável desejo
(pressa de palavra mesmo)
de um nome
será proveito?
Batizar o verbo inda no ventre
sem que resplandeça a luz na sua cara
de joelho.
Os padrinhos: quem seriam?
Meus desesperos?
Seria do signo da sorte
ou seria a morte
de meus atropelos?
Há de se ter um nome afinal?
Não creio.

Deem-lhe, pois, ao menos um pronome
nem precisa aqueles de tratamento rebuscado
os de casos retos
ou tortos
servem
vale até um artigo
indefinido
seguido
de singelas reticências:
aquelas latinhas atadas a barbantes
dos carros de nubentes
que não sabem “the end”
só anunciam
o porvir.

Inquietações numa manhã sob a Ponte Bandeira Tribuzi

mãos pretas
cara preta
não é o boi
nem de ninar
em assépticos lençóis de seda
são as mãos pretas
dos pesadelos
bem acordados
dos que vivem
sob sol
cinza
quase preto
embaixo de pontes
no carvão
sem das mães
a teta.

Donde nasci

dos neurolépticos
benzodiazepínicos
bloqueadores da monoamino
oxidase
nasceu
minha irritadiça
mente

Não quero mais!

Busquei-a nos confins do mundo
arrastei-a pelas pernas
esfreguei sua fuça no lamaçal
arranhou-se, taquei-lhe sal!
Pu-la à beira do precipício:
- Pula! - gritei.
Pediu-me misericórdia
suas córneas vis
fitavam em agonia
e a empurrei desfiladeiro abaixo...

Antes de seus ossos
estalarem na pedra
e a cara enfim transfigurasse
rasgou-se ao meio
seus dedos vermelhos
arrancaram sua dor
e voou bem alto
condor.

Na medonha altura
me fugiu.
Dali, ainda me instiga:
arranca sua penas
os meus poemas
espalhados
no vento.

Generosidade da vaca

a vaca gorda e morna
dá leite fresco
até pra quem
é azedo
e frio.

Tempos modernos

Será que em tempos
de tweets
pensadores pós-modernocontemporâneos
filósofos de click,
do caos policromático
os "sebastiões salgados":
paparazzi do ordinário
das esquinas
dos selfies
os políticos de facebook
baluartes da família
curtindo lingeries atochadas em vaginas das mocinhas sem-partido
(partido só ali)
será que assim, senhores,
desta loucura de amores
infinitos intensos suores
até semana que vem
ainda existe sequer uma cria
que creia
ou se inspire
no qu'inda nutre
a poesia?

domingo, setembro 18, 2016

Em um taxi da Av. Paulista para Guarulhos

Qual a cor da cidade
cujo ar, pesado, com seus
metais pesados, repousa à meia altura
dos olhos
embaçados?

Qual a cor da cidade
de muros pichados,
dos grafites, do lodo que escorre
de seus quadrados,
de seus prédios, arranha-céus.
Arranha os seus
a sua cor cruel
dura e caótica;
cor indiferente, indigente.
Nos pavimentos riscam os pneus,
cantam a música da cidade
que inda busca sua cor,
nesta tarde.

Que nem dia, nem noite, nem sempre.
A cidade é indo e é voltando e é girando,
gira, gira, gira...
Meu peito dispara!
Vertiginosa cidade,
diz!
Qual a  tua cor?
Teu lodo, tua lama, e este odor?
Serão tuas marginais?
Serão teus marginais?
Serão tuas imagens
a mais?

Na cidade que draga tudo
a vida teima em persistir:
uma palmeira aqui outr’ali
desvirginam o concreto,
sangram sua vagina.
A cidade não é mais menina!
É uma puta,
velha,
de batom vermelho e um cigarro
na esquina.

segunda-feira, setembro 12, 2016

Guerrilha

O poeta se atocaia na palavra
viva
grita
atira
na pupila
fina
do leitor.

O poeta é um franco-atirador!

Raios do sol

Lá vem
Atentos!
São eles, meus caros
Fixem os olhares
Não percam nada, nenhum segundo
Num átimo darão vida às sombras,
Vez à marginalidade,
Silenciarão tempestades...

Estão correndo!
E vêm de braços abertos
São generosos
Acolhem todos os povos
Beijam o oceano
Abraçam cidades, os campos...
Façam silêncio, senhores!
Shhhhh
Ouvem seu canto?

Eles vêm ligeiros
Estão de braços abertos
Explodindo numa infinidade de cores
O Big Bang!
Uma erupção de matizes
Iluminam intrépidos tudo:
ordinários e imundos,
ímpares, viventes, o limbo!

Germinam sementes
Secam cicatrizes
Eles são a alegria do mundo!

Brindem, meus amigos, bridem!
Eles fazem nascer
mais uma vez
o dia!

segunda-feira, julho 04, 2016

O gato

Um gato atravessando a rua
Não qualquer gato
Um pequeno, amarelo, arrepiado
Gato assustado, bem arisco, bem gato
Quase não o vi
Quase o parto
Quase o divido ao meio
O quase-invisível-gato.

Lançou-se à sorte
Não nascera gato-sem-dono
O gato na rua, era a rua
O sol forte, o gato ofendido, arrepiado
Perdi de vista o gato
Fui longe
O gato ficou
Será que atravessar a rua logrou?

O gato e o gigante mundo
Era uma vírgula, um cisco no vento
Um nada
Uma alma
Um sopro
Uma lembrança
Já foi
E tem tanto
Humano
Que é gato.