Novos ares são fontes constantes de estranhamento. Eu, ser viajante perdido pelo mundo, sozinho com minhas inquietações, parado em frente à uma banca de revista, percebi o andar manco, anêmico e desorientado duma velha. Era cinco horas da tarde, sol ainda a pino por aqui. Um domingo, sinos tocando: ela vai à missa!
Deixei a velha em paz e voltei a perceber o meu entorno. Fazia calor e as pessoas daqui fedem mais do que o habitual neste período do ano. Fedem mesmo. Exalam uma podridão tal que em certo momento percebe-se uma nuvem cinza que lhes encobre como fumaça de cigarro. E talvez até seja mesmo. Campanhas antifumo não funcionam nestas bandas de cá. Outro dia vi um cartaz: Eu não fumo! Do lado, um lixeiro com pelo menos quarenta e duas bitucas de cigarro. Tive a pachorra de contar. Até ri. Pior: na frente de um hospital. De câncer! É que fumam desde a escola... Meu Deus! Se na minha escola tivesse um guri com um cigarro na boca: Bomba! Bomba! Corram, chamem os pais! Conselho de classe! (Será que ainda existe isso? Conselho de classe?). Aqui não, aqui é moderno, faz parte da revolução da independência-sexual-social-juvenil. Se é que esta também existiu. Bebe-se, fuma-se, transgrede-se, fura-se fila, nega-se assento aos velhos nos ônibus, ok! É a era vinte e um. Geração xis, ípsilon, zê! E eu que nos meus parcos conhecimentos imaginava que a sociedade se segregava entre os xis-xis e xis-ípsilon, salvo algumas aberrações genéticas, é claro.
Esperei o sinal abrir e atravessei a rua. Logo na esquina, um bar: desce aí uma gelada! Com um calor infernal daqueles, desceu mesmo, do jeito que estava, se gelada ou meia boca, foi. Era, segundo informação precisa do copo, zero vírgula quarenta e cinco mililitros. Uma boa quantidade a ser apreciada num fim de tarde. Melhor seria se fosse à beira do mar e com pessoas falando em português, mas nem tudo pode ser perfeito. Os sinos deram uma segunda chamada. Aqui eles chamam três vezes: 1- olha, vai começar; 2- ok, galera, venham logo, é sério; 3- se não chegarem o padre vai excomungar todos vocês, viu! Semana passada fui a uma missa, afinal terra do Papa, né. Mas como o Papa aqui não é lá tão pop assim, representei 10% da plateia, não que eu seja gordo, não estou contando em área corporal, oras, é em números mesmo. Uma frustração: sequer sair à francesa pude. Garçom, manda mais meio litro! Enche um pouquinho mais esse copo aí que dá!
Num intervalo de aproximadamente meia hora, a velha manca e meio estrábica (que só agora deu pra perceber) percorreu uma distância de aproximadamente duzentos metros. Lógico, ajudada pelas muletas. Que missa, o quê! Ela entrou foi no bar, no meu bar! Gritou uma coisa qualquer lá dentro e na mesma hora lhe trouxeram um copázio de cerveja bem maior que o meu. A velha virou este copo numa velocidade tal que até hoje vi poucos fazerem. Soltou um Arhhhh! tão aliviado que parecia o néctar dos deuses. No fim, bateu brutamente o copo na mesa, olhou desconfiada para cada lado e saiu fazendo o igual caminho inverso.
Fiquei atônito! Olha, quase que aplaudia! No meio daquele entusiasmo, dum êxtase quase orgásmico de congraçamento de Deus com os homens, vem e me bate o ombro alguém que me pede um isqueiro. Uma broxada infeliz! Filho-duma-qualquer! Bem devagar viro. Fito um indivíduo de um metro e setenta e pouco de altura com um malboro grudado na boca – nem tirou pra falar: se tinha quinze anos era muito. Pê da vida pelo com meu coito interrompido, respondo: io non fumo!
Tenho tanta saudade de mim...
terça-feira, setembro 27, 2011
sexta-feira, setembro 02, 2011
quase morto
Hoje escrevi um verso torto:
não é redondo, nem curvo, nem roto
não tem inicio, só meio - meio torto
como um velho que caminha manco, sozinho, absorto,
num semblante pálido, sem graça, quase insosso
da velhice flácida, passada, esquecida - um quase morto.
não é redondo, nem curvo, nem roto
não tem inicio, só meio - meio torto
como um velho que caminha manco, sozinho, absorto,
num semblante pálido, sem graça, quase insosso
da velhice flácida, passada, esquecida - um quase morto.
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