Ao meu amado pai que outro dia, visitando a casa de seu padrinho, disse-me que procurava sua tia e sua infância por detrás daquelas portas antigas.
Atrás daquela porta velha sem trinco
jazia a infância do meu pai.
Esquecida estava nas suas memórias de menino
sua vó Amélia ali, sentada, quieta, sorrindo.
Estava também o seu pião de madeira,
talhado a mão pelo Zeca Texeira,
e no mesmo canto da mente,
numa caixa bem juntinhos,
dormiam uma pipa, um balanço
e, feito de lata de óleo de cozinha
com rodas de chinela havaiana
puxado por um cordel, o seu carrinho.
E só agora naquele vão sujo com poeira
da porta velha sem trinco
carcomida nas beiras
que levava a um quarto
cuja luz se acanha
da casa de portão largo
quase de esquina
com a rua que o nome esqueço
e outra, a Zoé Cerveira,
no bairro decadente da Alemanha
meu pai se achou de novo criança.
Aquela porta era suja mesmo de tempo:
escondia não somente o pó e coisas velhas
dos tempos de sua vó,
mas das disputas de peteca, de bola e outras parelhas
que fizeram brotar naquela tarde a meninice largada no esquecimento;
e que agora adulto, vago e sozinho
caminhando entre paredes e assombros que desde pequeno
guardando no peito seco e mofino
o que de idos tempos persiste voraz, canino,
que é o medo de perder a voz, o raciocínio
ou de ti, passado, seu encantamento.